Artigo: mais armas, mais mortes, mais sofrimento

06/11/17 11:18

O medo, sabemos, é um péssimo conselheiro. No Brasil de nossos dias, apavorado pela insegurança urbana, o medo, habilmente manobrado nos discursos dos que ganham muito com o pânico coletivo, está virando, perigosamente, legislador e formulador de políticas públicas.

É o caso dos esforços recentes da chamada “bancada da bala” e seus entusiastas em revogar o estatuto do desarmamento. A intenção é vender à população a ideia de que a licença para o porte de armas é uma grande panaceia contra a insegurança, quando, na verdade, a experiência internacional e mesmo as recentes estatísticas brasileiras comprovam que mais armas de fogo circulando implicam em mais mortes e mais sofrimento para a população.

Para refletir sobre o trágico caso de Goiânia, precisamos enfrentar questões que se cruzam nos campos da pedagogia, da psicologia e da cultura — temos de pensar, por exemplo, na forma como certas narrativas violentas, tão propagadas pela extrema direita, impactam a subjetividade da juventude. Entretanto, se quisermos compreender o episódio no campo estrito da segurança pública, o debate sobre o acesso às armas ocupa um lugar central.

De acordo com o “Mapa da Violência 2016: homicídios por armas de fogo no Brasil”, entre 1980 e 2003, o crescimento das mortes por armas se deu a uma taxa de 8,1% ao ano. Após o estatuto, o ritmo caiu para 2,2% ao ano. Segundo o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), o cidadão que possui arma de fogo corre um risco 56% superior de ser morto numa situação de roubo. Já o Instituto Sou da Paz mostra que apenas uma reação em 34 casos de ataque armado tem sucesso.

São, portanto, estatísticas que desconstroem o discurso de defesa dos “cidadãos de bem” em face dos bandidos. Por outro lado, são números que não agradam a poderosa indústria armamentista brasileira e os parlamentares por ela financiados. Nos últimos dez anos, o Brasil exportou quase U$ 3 bilhões em armas e munições. Somente em 2015, foram mais de U$ 364 milhões em armas – cerca de um milhão por dia.

Resta saber em nome de quem falam os defensores da revogação do estatuto. Da população, nos parece que não é. (Foto: EBC)

  • artigo publicado originalmente na seção "Confronto das Ideias", do jornal O POVO, em 05/11/2017. Link para a matéria em http://bit.ly/2zkHRnI

Áreas de atuação: Direitos Humanos, Política