"Repito as palavras do juiz: colapso era o que havia, caos era o que havia. O que temos hoje não tem nem nome", foi o que denunciou o deputado estadual Renato Roseno (PSOL) em pronunciamento nesta quarta-feira, 21 de outubro, na Assembleia Legislativa do Ceará, sobre o Sistema Socioeducativo do Ceará, referindo-se ao juiz da 5ª Vara da Infância e da Juventude, Manuel Clístenes de Façanha.
Em sete dias, no período de 14 a 21 de outubro, houve mais de dez incidentes em Fortaleza, entre rebeliões, motins e fugas, em cinco dos sete centros socioeducativos para internação de adolescentes que praticaram atos infracionais. Há denúncias de tortura, ação truculenta da Polícia Militar e violação de direitos básicos, como acesso a água e alimentação. A superlotação supera os 660% no Centro São Miguel, onde existem apenas cinco dormitórios em condições de serem ocupados, abrigando mais de 156 adolescentes. Os dormitórios funcionam como celas.
"Portanto, eu, aqui, reivindico que nos somemos para que seja decretada emergência, como fez Alagoas, como fez Pernambuco. O primeiro gesto é reconhecer a crise, não é esconder a crise. Dizer que tá tudo bem, como as notas da Secretaria dizem? O secretário não teve condições de resolver a crise! Tem que assumir isso! E os senhores e as senhoras que estão na gestão do Estado precisam reconhecer por que é necessário reconhecer a crise no Sistema Socioeducativo, decretar emergência para que se resolva o problema. É necessário punir aqueles que fizeram malfeitos pagos com recurso do Estado. Há anos essa crise vem sendo anunciada e o Governo não tem dado resposta”, afirmou Renato, referindo-se à Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS), responsável direta pela gestão das unidades do Sistema Socioeducativo.
Solicitando a decretação de estado de emergência ao governador Camilo Santana, o mandato enviou requerimento na tarde dessa terça-feira, 20 de ouubro, reivindicando também o cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente e da Lei do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), por qual é organizada a execução das medidas socioeducativas aplicadas a adolescentes aos quais é atribuída a prática de ato infracional. Além disso, o movimento de infância e adolescência encaminhou denúncia de violação de direitos humanos nos centros socioeducativos à Corte Interamericana de Direitos Humanos e levou, em parceria com parlamentares, a situação de crise do Sistema Socioeducativo cearense ao Conselho Nacional de Direitos Humanos.
"Já já vai chegar uma medida aqui e aí os senhores não vão ter a possibilidade... Os senhores serão obrigados por força do Direito Internacional a tomar alguma medida. Não digam que a gente não avisou. Não digam que nós não quisemos contribuir. Não digam que a gente não alertou para a necessidade de medidas urgentes. Há anos estamos falando sobre isso, mas a resposta foi a leniência”, declarou o deputado, referindo-se à provocação feita à Organização dos Estados Americanos (OEA) pela Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (Anced), pelo Fórum Permanente de Organizações Não Governamentais de Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes (Fórum DCA) e pelo Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca Ceará).
Iniciativas do mandato
O deputado estadual Renato Roseno reuniu as assinaturas necessárias para constituir a Comissão Especial sobre o Sistema Socioeducativo no Estado do Ceará e protocolou o requerimento na quarta-feira, 8 de julho. A Comissão Especial é um instrumento de que dispõe o Poder Legislativo para intervir no debate público sobre o sistema socioeducativo no Ceará de forma atenta e qualificada. Trabalhando para o melhor cumprimento das medidas socioeducativas, os parlamentares da comissão estarão atuando na proteção e garantia da dignidade dos adolescentes em conflito com lei durante o período de responsabilização, como também resguardando a sociedade no enfrentamento aos conflitos e à violência.
A proposta de criação de uma comissão especial tem como objetivo analisar, compreender e sistematizar a situação da aplicação das medidas socioeducativas no Ceará, em meio fechado e aberto, além de sensibilizar os atores públicos para o cumprimento adequado das medidas como forma eficaz enfrentamento aos circuitos de violência em que se envolvem adolescentes e jovens.
Além de propor uma Comissão Especial sobre o Sistema Socioeducativo no Estado do Ceará, o deputado Renato Roseno já usou a tribuna da Assembleia Legislativa para falar dos problemas, visitou unidades de atendimento e aprovou requerimento nas comissões técnicas da Casa para a realização de uma audiência pública, transcorrida no dia 17 de março.
Durante a audiência, a representante do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no Ceará, juíza Maria das Graças Quental, definiu como chocante e estarrecedora a situação das unidades que mantêm sob privação de liberdade os adolescentes que cometeram atos infracionais. "Estou altamente frustrada, porque nada muda. Todo mundo sabe (dos problemas) e passa a responsabilidade para o outro", afirmou, depois de observar que, desde 2009, vistoria presídios e delegacias. "Tudo acontece com o aval da Justiça, do Executivo e do Legislativo", acrescentou.
Nas unidades de atendimento socioeducativo, ela identificou o despreparo de diretores, seja revelando o pavor de circular pelas instalações ou o desconhecimento do número exato de adolescentes apreendidos. Em um dos centros de ressocialização, havia cerca de 270, enquanto a capacidade era para apenas 60. "Isso é tortura, e é contra nossa juventude, com o nosso Brasil futuro", reconheceu.