Neste tempo de Natal e que antecede a chegada de um ano novo, na esperança de tempos melhores, reproduzimos o texto publicado na edição do dia 23 de dezembro da Folha de São Paulo, de autoria do deputado estadual pelo PSOL do Rio de Janeiro, Marcelo Freixo. A fotografia que ilustra o artigo foi registrada pelo Fórum Permanente das Organizações Não Governamentais de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Fórum DCA), em visita aos centros de internação de adolescentes autores de ato infracional em Fortaleza.
Ali foram registrados também relatos de tortura, tratamento cruel, estupro e até assassinato. Problemas, como superlotação, falta d’água e salas de aula transformadas em celas, levaram a rebeliões, fugas e interdições judiciais nas unidades do Sistema Socioeducativo do Ceará, que agoniza com uma estrutura física insuficiente, quadro inadequado de profissionais e precariedade das condições de trabalho.
"Por ironia, no próximo Natal, aqueles que defendem a redução da maioridade penal, pregam o endurecimento do sistema prisional, sonham com a pena de morte e fingem não ver os crimes praticados pelo Estado contra os pobres receberão um condenado em suas casas", escreve Marcelo Freixo.
Compartilhamos as reflexões e os desejos de um 2016 com mais coragem. "Deixemos então o ódio para os covardes".
Natal dos covardes
O que diriam os pregadores da intolerância, os obreiros do justiçamento, os apóstolos do olho por olho dente por dente sobre um homem que manifestou seu amor por um ladrão condenado e lhe prometeu o paraíso? Brandiriam o velho sermonário: bandido bom é bandido morto?
Na próxima quinta-feira, quase todos os brasileiros, inclusive os cônscios moralistas da violência que amarram adolescentes em postes para linchá-los, se reunirão com suas famílias para celebrar mais uma vez o nascimento desse homem. Sujeito, aliás, que respondeu à provocação: está com pena? Então, leva para casa! Pois, é. Jesus Cristo prometeu levar o ladrão para casa. "Em verdade te digo que hoje estarás comigo no Paraíso", diz o evangelho de Lucas.
Jesus optou pelos oprimidos e renegados, pelos miseráveis, leprosos, prostitutas, bandidos. Solidarizou-se com o refugo da sociedade em que viveu, contestou a ordem que os excluiu. O Cristo bíblico foi um dos primeiros e mais inspiradores defensores dos direitos humanos e morreu por isso. Foi perseguido, supliciado e executado pelo Império Romano para servir de exemplo.
Assim como servem de exemplo os jovens que são espancados e crucificados em postes, na ilusão de que a violência se resolve com violência. Conhecemos a mensagem cristã, mas preferimos a prática romana. Somos os algozes.
Questiono-me sobre o que seria dele em nossa Jerusalém de justiceiros. Não sei se sobreviveria. É perigoso defender a tolerância, o amor ao próximo e o perdão quando o ódio é tão banal. Como escreveu Guimarães Rosa: "quando vier, que venha armado".
Não é difícil imaginar por onde ele andaria. Sem dúvida, não estaria com os fariseus que conclamam a violência e fazem negócios, inclusive políticos, em seu nome. Caminharia pelos presídios, centros de amnésia da nossa desumanidade, onde entulhamos aqueles que descartamos e queremos esquecer, os leprosos do século 21. Impediria que homossexuais fossem apedrejados, mulheres violentadas e jovens negros linchados em praça pública. Estaria com os favelados, sertanejos, sem tetos e sem terras.
Por ironia, no próximo Natal, aqueles que defendem a redução da maioridade penal, pregam o endurecimento do sistema prisional, sonham com a pena de morte e fingem não ver os crimes praticados pelo Estado contra os pobres receberão um condenado em suas casas.
Diante da mesa farta, espero que as ideias e a história desse homem sirvam, pelo menos, como uma provocação à reflexão. Paulo Freire dizia que amar é um ato de coragem. Deixemos então o ódio para os covardes.
Feliz Natal.
Marcelo Freixo - PSOL
Deputado estadual - Rio de Janeiro