Marielle Franco: a linha do tempo de uma luta por justiça

12/03/21 16:00

Na noite daquela 14 de março, Marielle Franco chegou por volta de 19h à Casa das Pretas, no bairro da Lapa, no Rio de Janeiro, para mediar um debate promovido pelo PSOL com jovens negras. O evento seguiu até cerca de 21h, quando a vereadora, seu motorista Anderson Gomes e a assessora Fernanda Chaves deixaram o casarão da Rua dos Inválidos. Ao sair do local, o carro de Marielle é seguido por um Cobalt e por um outro veículo pelas ruas da região central da cidade. Por volta de 21h30, na Rua Joaquim Paralhes, no bairro do Estácio, um dos veículos emparelha com o carro de Marielle, mais ou menos na diagonal. Ao todo, 13 disparos são efetuados: 9 acertam a lataria e 4, o vidro do carro. Fernanda sobreviveu ao ataque. Anderson levou ao menos três tiros nas costas. Marielle foi atingida por quatro tiros na cabeça.

Há três anos, o Brasil e o mundo cobram respostas e justiça para esse covarde assassinato político. "A violência que atravessou o corpo da Marielle foi provocada por um sentimento de ódio. Foi um crime político, motivado por ódio político às bandeiras e convicções que ela representava”, defende o deputado estadual Renato Roseno (PSOL). Para o deputado, a entrada de Mariele no parlamento mudou o perfil da política, tradicionalmente ocupada por coronéis e pela elite econômica. "Marielle foi eleita vereadora, com a quinta maior votação da capital do Rio de Janeiro. O crime não foi apenas contra ela, mas contra a democracia brasileira. Executaram uma mulher, uma liderança jovem, negra e lésbica, da favela, que dedicou sua vida inteira à justiça social. Os valores que estavam por trás da atuação de Marielle eram solidariedade, justiça e igualdade para o povo, valores nobres e elevados”.

Ao longo desse período, houve muitas reviravoltas no caso. Por enquanto, apenas os ex-PMs Ronnie Lessa e Elcio Vieira de Queiroz foram denunciados como executores do crime contra Marielle e Anderson. Mas ainda há muitas perguntas sem respostas em torno do assassinato; sobretudo, quais foram os motivos e quais foram os mandantes do crime. Para ajudar a recordar os fatos ocorridos após aquela noite de 14 de março e compreender o andamento das investigações, organizamos uma linha do tempo com as principais informações sobre o caso de Marielle, a vereadora que se transformou em símbolo enorme de luta e resistência política no Brasil e no mundo. "Marielle era a expressão e a encarnação de tudo o que queríamos de mais novo na política, uma mulher negra, favelada e símbolo do movimento LGBT, que teve a trajetória interrompida, mas que continua presente nas nossas lutas”, ressaltou Roseno. (Texto: Felipe Araújo, com informações da Agência Câmara, Instituto Marielle Franco, Estado de São Paulo, Jornal O Globo, G1 e Le Mond Diplomatique / Foto: Reprodução - Mídia Ninja)

LINHA DO TEMPO

15 de março de 2018

É criada e instalada, no âmbito da Câmara dos Deputados, a Comissão Externa destinada a acompanhar, no Rio de Janeiro, as investigações referentes aos assassinatos da vereadora Marielle Franco e do Sr. Anderson Pedro Gomes (CEXVERIO), tendo como Coordenador o deputado Jean Wyllys (PSOL/RJ), a deputada Jandira Feghali (PCdoB/RJ) como Vice-Coordenadora e o deputado Glauber Braga como Relator

16 de março de 2018

Divulgadas imagens obtidas pela polícia, onde aparece um Cobalt com placa de Nova Iguaçu, que está parado próximo ao local com pelo menos dois homens em seu interior: um ao volante e outro no banco de trás. É possível constatar que o criminoso sentado no banco do motorista mexe no celular. No mesmo dia foi divulgado que a arma utilizada é uma pistola 9 milímetros, e os tiros foram disparados a uma distância de 2 metros. Ainda no dia 16 de março, constatou-se que a munição (lote UZZ18) pertencia a um lote vendido para a Polícia Federal de Brasília em 2006. Munição do mesmo lote já foi utilizada em diversos crimes no país, inclusive na Chacina de Osasco (uma das maiores da história do Brasil).

19 de março de 2018

Para a polícia, os assassinos observaram Marielle antes do crime, porque sabiam exatamente a posição dela dentro do carro. A vereadora estava sentada no banco traseiro – algo que não costumava fazer – e o veículo tem vidros escurecido. A investigação descobriria que cinco das 11 câmeras de trânsito da Prefeitura do Rio que estavam no trajeto de Marielle estavam desligadas.

28 de março de 2018

Juiz da 15ª Vara do Rio de Janeiro determina suspensão de publicações com injúrias, difamações e calúnias contra Marielle Franco. Também condenou o Facebook a informar quais páginas pagaram pelo impulsionamento de posts com informações falsas sobre ela.

29 de março de 2019

O Secretário de Estado de Segurança do RJ, em entrevista, disse que a investigação caminha no sentido de confirmar a tese de que fora um crime com motivações políticas.

02 de abril de 2018

Manifestações em mais de 160 cidades, de norte a sul do país e em 15 países de três continentes, acenderam velas e luzes para Marielle e Anderson, levando adiante sua luta exigindo das autoridades a elucidação do crime.

03 de abril de 2018

Após cogitar a possibilidade de federalização da investigação, o Conselho Nacional do Ministério Público decide manter, no âmbito estadual, a investigação do órgão sobre o caso.

06 de abril de 2018

Investigadores descobrem o número do celular do motorista do carro usado no dia dos assassinatos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson. A polícia também revelou, segundo a imprensa, que oito vereadores já haviam sido ouvidos pela polícia. Um deles recebeu em seu gabinete, horas antes do crime, um ex-policial militar indiciado na CPI das Milícias na qual Marielle trabalhou, e que uma semana antes da morte da vereadora, o ex-vereador Cristiano Girão, condenado por chefiar uma milícia na Gardênia Azul, em Jacarepaguá, também esteve na Câmara.

13 de abril de 2018

A Anistia Internacional publicou documento cobrando das autoridades brasileiras a resolução do caso. "O Estado deve garantir que o caso seja devidamente investigado e que tanto aqueles que efetuaram os disparos quanto aqueles que foram os autores intelectuais deste homicídio sejam identificados. Caso contrário, envia uma mensagem de que defensores de direitos humanos podem ser mortos e que esses crimes ficam impunes", destaca um trecho da carta.

14 de abril de 2018

O crime completa um mês. Manifestações em diversas cidades do Brasil e do mundo realizaram o “Amanhecer por Marielle e Anderson”. No Rio de Janeiro, uma multidão realizou marcha pelo último percurso que a vereadora e o motorista fizeram antes de serem assassinatos.

25 de abril de 2018

STJ decidiu julgar queixa-crime do então deputado Jean Wyllys (PSOL) contra desembargadora que defendeu publicamente que ele fosse fuzilado. É a mesma desembargadora que espalhou mentiras ofensivas à memória da Vereadora Marielle Franco. No dia seguinte, Luyara Santos e Monica Benício, filha e viúva de Marielle Franco, ingressam com uma ação na Justiça contra a magistrada, por calúnia à memória da vereadora.

06 de agosto de 2018

Comissão da OEA pede adoção de medidas protetivas à viúva de Marielle.

13 de agosto de 2018

O então ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, colocou a Polícia Federal à disposição para assumir a investigação da morte de Marielle Franco, mas a oferta foi rejeitada imediatamente tanto pelo Gabinete de Intervenção quanto pelo Ministério Público estadual.

27 de agosto de 2018

O diretor da Divisão de Homicídios, delegado Fábio Cardoso, afirmou durante encontro que há avanços na investigação das mortes da vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes. “Já está bem claro que o crime da Marielle está envolvido com a sua atuação política”, disse ele.

19 de setembro de 2018

Mônica Benício, viúva de Marielle, denunciou à ONU a demora das autoridades brasileiras em oferecer respostas ao crime. De acordo com a Anistia Internacional, Kate Gilmore, a número 2 do Escritório de Direitos Humanos da ONU, “expressou sua solidariedade à viúva de Marielle e se propôs a estabelecer uma interlocução com o Estado sobre o assassinato de Marielle Franco e a situação dos defensores de direitos humanos no país”

24 de setembro de 2018

A juíza Marcia Correia Hollanda, da 47ª vara Cível do Rio de Janeiro/RJ condenou o Google a retirar da plataforma YouTube os vídeos com conteúdo difamatório contra a vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco.

14 de dezembro de 2018

Em entrevista ao jornal "O Estado de São Paulo”, o então secretário de Segurança do RJ, general Richard Nunes, afirmou que Marielle foi morta por milicianos que viam nela uma ameaça aos negócios de grilagem de terras na Zona Oeste do Rio. A fala de Nunes veio um dia após operação malsucedida para prender suspeitos de envolvimento no crime. Nunes fazia parte do Gabinete de Intervenção na Segurança do RJ, que Marielle investigava no momento em que foi morta.

Fevereiro de 2019

"Brasil chegou a vez, de ouvir as Marias, Mahins, Marielles, Malês (...)". Às vésperas da passagem do primeiro ano sem respostas sobre o crime, a escola de samba do Rio de Janeiro, Estação Primeiro de Mangueira, homenageia Marielle Franco em seu samba-enredo e se torna campeã do carnaval carioca de 2019.

12 de março de 2019

A Polícia Civil do Rio de Janeiro e o Ministério Público do Estado anunciaram a prisão de dois suspeitos. O policial militar reformado Ronnie Lessa, de 48 anos, e o ex-policial militar Elcio Vieira de Queiroz, de 46, foram denunciados pelos crimes de homicídio qualificado de Marielle e Anderson e por tentativa de homicídio de Fernanda Chaves. Força-tarefa afirma que Ronnie Lessa atirou contra a vereadora enquanto o ex-militar Élcio Vieira de Queiroz dirigia o carro que perseguiu Marielle. Um dia depois da prisão, o titular da Delegacia de Homicídios (DH) da Capital, Giniton Lages, foi afastado do caso.

13 de março de 2019

A Divisão de Homicídios (DH) da Polícia Civil do Rio de Janeiro encontrou 117 fuzis incompletos, do tipo M-16, na casa de um amigo do policial militar Ronnie Lessa no Méier, na Zona Norte do Rio. Segundo o secretário de Polícia Civil, Marcos Vinícius Braga, essa foi a maior apreensão de fuzis da história do Rio, superando inclusive a feita no aeroporto Internacional do Rio em 2017. Meses depois, a perícia atestou que tratavam-se de fuzis falsos, mas que ainda assim as armas funcionavam.

14 de março de 2019

No marco de um ano desde a execução de Marielle e Anderson, manifestações no Brasil e no Exterior celebram a luta e a memória de Marielle.

17 de setembro de 2019

Raquel Dodge, Procuradora Geral da República, apresentou denúncia ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) contra cinco pessoas por interferência nas investigações do assassinato de Marielle e Anderson. No mesmo mês, Raquel Dodge informou que solicitou a federalização da investigação dos mandantes do crime.

19 de setembro de 2019

Jardim em Paris é inaugurado com nome de Marielle Franco e família de Marielle comparece a cerimônia.

29 de outubro de 2019

Em outubro de 2019, uma reportagem do Jornal Nacional revelou um depoimento de um porteiro do condomínio Vivendas da Barra, onde morava Ronnie Lessa, executor de Marielle e Anderson, e também o atual presidente da república, Jair Bolsonaro. No depoimento, o porteiro disse que alguém da casa 58 (casa de Bolsonaro) havia liberado. Bolsonaro era deputado federal à época e havia marcado presença na Câmara dos Deputados, em Brasília, no mesmo dia. Mais tarde, uma perícia no áudio atestou que, na verdade, não se tratava do mesmo porteiro e que foi Ronnie Lessa quem havia liberado a entrada.

9 de fevereiro de 2020

Adriano da Nóbrega, um dos denunciados da "Operação Intocáveis" é morto em confronto com a polícia da Bahia. Na época, a Secretaria de Segurança Pública da Bahia afirmou que ela era suspeito de envolvimento no assassinato de Marielle e Anderson. Adriano da Nóbrega tinha sido homenageado na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro algumas vezes pelo ex-deputado estadual Flávio Bolsonaro. Apesar dos fatos, o envolvimento da família do presidente, no entanto, foi descartado até o momento, assim como do Escritório do Crime.

1 de março de 2020

Casa Marielle é inaugurada pelo Instituto Marielle Franco na Zona Portuária do Rio de Janeiro e realiza programação com foco na visibilidade de mulheres negras, periféricas e LGBTQIA+.

10 de março de 2020

A Justiça do Rio determinou, em 10 de março de 2020, que o PM reformado Ronnie Lessa e o ex-PM Élcio Vieira de Queiroz sejam julgados por júri popular pelas mortes de Marielle e Anderson. Apesar dos advogados dos dois acusados terem recorrido, em fevereiro de 2021 o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro manteve por unanimidade a decisão.

14 de março de 2020

Em Fortaleza, ato na Praça do Ferreira celebra a memória de Marielle e Anderson na passagem dos dois anos do crime.

27 de maio de 2020

Por unanimidade, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou a federalização da investigação do assassinato de Marielle Franco e seu motorista, Anderson Gomes. Dessa forma, a apuração do caso segue com a Polícia Civil e o Ministério Público do Rio de Janeiro. A decisão veio ao encontro do desejo das famílias de Marielle Franco e Anderson Gomes, e do movimento negro, que queriam evitar que a investigação chegasse às mãos da Polícia Federal, por acreditarem que o presidente Jair Bolsonaro pode intervir na apuração do caso.

30 de junho de 2020

Delegado do caso diz que Escritório do Crime não foi responsável pela execução de Marielle. Segundo Daniel Rosa, delegado responsável pelo caso: "O Escritório do Crime foi investigado, mas não foi responsável pela morte da vereadora. O Ronnie Lessa, apesar de ter uma certa aproximação desses criminosos do Escritório do Crime, nós não temos esse dado de que ele teria integrado o Escritório do Crime"

26 de julho de 2020

Elza Soares homenageia Marielle Franco na data de seu aniversário, em uma live promovida pelo Instituto Marielle Franco.

1 de agosto de 2020

Nas eleições que Marielle completaria seu primeiro mandato como vereadora e no intuito de promover um comprometimento de candidaturas com as pautas que Marielle defendia, o Instituto Marielle Franco elabora a "Agenda Marielle Franco", uma sistematização da trajetória política de Marielle que conta com políticas e práticas inspiradas no legado da ex-vereadora. Mais de 700 candidaturas de 300 municípios do Brasil se comprometeram com a agenda. Delas, 81 foram eleitas vereadoras, prefeitas e vice-prefeitas de seus municípios.

17 de setembro de 2020

Caso muda de delegado mais uma vez. Em agosto de 2018, o governador Wilson Witzel foi afastado do cargo pela Justiça e seu vice, Cláudio Castro, assumiu como governador interino. Castro nomeou Allan Turnowski como novo secretário da Polícia Civil, que, por sua vez, logo anunciou a saída de Antônio Ricardo Nunes da chefia do Departamento Geral de Homicídios e Proteção à Pessoa (DGHPP), que foi assumida por Roberto Cardoso. O DGHPP comanda as delegacias de Homicídios da capital e da Região Metropolitana. Cardoso então trocou o delegado do caso Marielle e Anderson, Daniel Rosa, por Moisés Santana.

4 de outubro de 2020

Google mede forças com a justiça e consegue não entregar dados de usuários. A pedido do Ministério Público do Rio de Janeiro, o STJ determinou que o Google disponibilizasse a lista de pessoas que pesquisaram na ferramenta de buscas o nome de Marielle e termos conexos pouco antes de seu assassinato. Em outubro de 2020 a empresa entrou com recurso junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) na tentativa de revogar a ordem judicial. Até hoje essa lista não foi disponibilizada e essa listagem que poderia contribuir na investigação segue em sigilo.

Novembro de 2020

"Quem protege as mulheres negras eleitas?" - Instituto Marielle Franco lança pesquisa inédita sobre violência política contra mulheres negras nas eleições 2020.

4 de março de 2021

O MPRJ anunciou medidas de reestruturação nos Grupos de Atuação Especializada e trouxe de volta à equipe que investiga o caso pelo Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) as promotoras Simone Sibílio e Letícia Emile, que, desde o início, participaram das investigações, mas acabaram saindo após a troca de comando no órgão.

5 de março de 2021

Polícia trabalha com uma nova hipótese de motivação, de acordo com fontes ouvidas pelo VEJA, o crime, poderia se tratar de uma vingança contra o PSOL, partido de Marielle e de seu amigo pessoal, o deputado federal Marcelo Freixo, que presidiu a CPI das Milícias em 2008 na Assembleia Legislativa do Rio e indiciou 226 pessoas, entre deputados, vereadores, PMs e o ex-chefe da Polícia Civil fluminense, Álvaro Lins. Marielle era assessora de Freixo na época, mas não atuou diretamente nesta comissão.

Áreas de atuação: Direitos Humanos, Segurança pública