Cerca de 20 entidades ligadas à igreja, à universidade e aos movimentos sociais lançaram uma nota contra a nova lei dos agrotóxicos que está sendo proposta pelo governo do Estado. A legislação, que deve ser enviado neste segundo semestre para aprovação na Assembleia, traz uma série de retrocessos em relação à fiscalização, controle social e monitoramento da produção e do uso dos venenos, além de potencializar inúmeros riscos para a saúde pública e para o meio ambiente. E também desconsidera as sugestões da sociedade civil proposta no âmbito do Fórum Cearense de Combate aos Impactos do Uso de Agrotóxicos (FCCA).
"O Ceará deveria estar avançando em relação ao controle e à fiscalização do uso de agrotóxicos no Estado. Mas há uma pressão muito grande por parte do setor privado no sentido de diminuir a regulação e a transparência", diz a nota, que aponta os impactos econômicos do novo texto, bem como as graves repercussões no âmbito da saúde pública e do controle social. As entidades também cobram do governador Camilo Santana coerência em relação ao discurso de "sustentabilidade" e de "transparência" que é vendido pelo governo, a exemplo do Pacto por um Ceará Sustentável, lançado no último dia 2 no Palácio da Abolição.
"Nós apelamos para a sensibilidade de um governador que se diz 'ambientalista' e gosta de classificar seu governo como uma gestão marcada pela 'transparência' e pela 'responsabilidade fiscal' para que a nova lei considere as propostas feitas no âmbito do FCCA. Tanto pelos impactos econômicos do novo texto quanto pelas graves repercussões no âmbito da saúde pública e do controle social", dizem os signatários.
Confira abaixo a íntegra da nota:
"O governo do Ceará deve enviar em breve para a Assembleia Legislativa uma proposta de revisão da Lei de Agrotóxicos do Ceará (lei nº 12.228/1993). Comparada ao texto vigente, a proposta traz uma série de retrocessos em relação à fiscalização, controle social e monitoramento da produção e do uso dos venenos, além de potencializar inúmeros riscos para a saúde pública e para o meio ambiente. Entidades da sociedade civil e representantes do governo estiveram reunidos no último dia 7 de julho, na Assembleia Legislativa, para discutir o assunto durante uma audiência pública realizada pelas Comissões de Meio Ambiente e Desenvolvimento do Semiárido (CMADS) e de Agropecuária (CA) por meio de requerimento do deputado estadual Renato Roseno (Psol).
Segundo o Palácio da Abolição, o novo texto vem sendo discutido há mais de cinco anos. Entretanto, entidades da sociedade civil denunciam que só tomaram conhecimento da proposta em 2015. A partir de então, o debate sobre o tema começou a ser articulado pelo Fórum Cearense de Combate aos Impactos do Uso de Agrotóxicos (FCCA), composto por diversos órgãos públicos, universidades, movimentos sociais e setores do agronegócio. Ao longo das discussões, importantes sugestões foram aprovadas pelo Fórum e inseridas na minuta elaborada pelo governo. Ainda assim, a versão do texto da lei encaminhado pela Secretaria de Meio Ambiente desconsiderou pontos decisivos para a proteção da saúde, do ambiente, do consumidor e dos trabalhadores.
O Ceará deveria estar avançando em relação ao controle e à fiscalização do uso de agrotóxicos no Estado. Mas há uma pressão muito grande por parte do setor privado no sentido de diminuir a regulação e a transparência. Depois de um ano inteiro de debates coordenados pelo Ministério Público do Estado, através do seu Centro de Apoio Operacional de Proteção à Ecologia, Meio Ambiente, Urbanismo, Paisagismo e Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural (Caomace), e compartilhados pelas entidades que compõem o Fórum, a minuta que está em construção no gabinete do governador não respeita o que foi discutido pelas entidades.
O resultado é que o Ceará está correndo o risco de ter aprovado uma lei estadual que é ainda pior do que a lei atual, com impactos ainda maiores em termos de contaminação dos solos, das águas e do ar, riscos para a saúde de trabalhadoras e trabalhadores do campo expostos aos venenos e para a população como um todo, através do consumo de alimentos contaminados. Entre outros pontos, a lei permite a pulverização aérea e a venda fracionada (o que vai contra o entendimento de técnicos da própria Secretaria de Saúde do Estado), flexibiliza a habilitação do profissional responsável pela emissão da receita de compra e retira todos os mecanismos de controle e participação da sociedade.
A minuta de lei, que atualmente está sendo analisada pela Procuradoria-Geral do Estado, retira uma série de artigos da lei anterior e não reproduz pontos importantes da legislação federal, o que a torna juridicamente frágil e inconsistente. Alguns artigos retirados, segundo a Secretaria de Meio Ambiente, serão regulados através de portaria, carecendo assim de segurança jurídica. Outros dispositivos foram removidos por serem considerados desnecessárias já que constam em lei federa. No entanto, essa legislação vem sofrendo ameaças de desmonte pelo Governo Temer, o que nos faz perguntarmo-nos se o Governo Camilo Santana compactua com o esfacelamento de uma lei que já não atendia de forma satisfatória a regulação desses produtos e corre o risco de ficar ainda pior.
Dados do Ministério da Saúde mostram que o consumo de agrotóxicos no Brasil aumentou cerca de 220% entre 2005 e 2014, período em que a área plantada no país aumentou apenas 12%. No mesmo período, foi registrado um aumento de incidência de quase 40% dos casos de intoxicação por agrotóxicos. Além disso, quase 20% dos municípios apresentam contaminação da água por venenos e Fortaleza é a terceira cidade com o maior número (absoluto) de casos de intoxicação por agrotóxicos.Segundo levantamento do economista Wagner Soares, do IBGE, cada US$ 1 gasto na compra agrotóxicos pode custar aos cofres públicos US$ 1,28 em futuros gastos com saúde. No caso do Ceará, o impacto na economia pode ser ainda maior porque o texto da nova lei prevê a redução do teto das multas. Para além disso, o Estado já concede isenção do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), deixando de arrecadar importante quantia para o erário e beneficiando um produto que causa graves danos à saúde e ao meio ambiente.
Diante desse cenário, nós apelamos para a sensibilidade de um governador que se diz “ambientalista” e gosta de classificar seu governo como uma gestão marcada pela “transparência” e pela “responsabilidade fiscal” para que a nova lei considere as propostas feitas no âmbito do FCCA. Tanto pelos impactos econômicos do novo texto quanto pelas graves repercussões no âmbito da saúde pública e do controle social".
Assinam a nota:
- Mandato É tempo de resistência – Renato Roseno (PSOL)
- Mandato Moisés Braz (PT)
- Cáritas Brasileira Regional Ceará
- Observatório de Saúde das Populações do Campo, Floresta e das Águas - Teia de Saberes e Práticas - OBTEIA (UnB/Fiocruz)
- Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST
- Movimento Ceará Agroecológico
- Grupo de Valorização Negra do Cariri-GRUNEC
- Cáritas Diocesana de Crato
- Associação Cristã de Base -ACB
- Fórum Popular das Águas
- Fórum Araripense de prevenção e combate à desertificação
- Associação dos Catadores de Recicláveis de Barbalha - ACARB
- Associação Engenho do Lixo
- Sindicato dos trabalhadores e trabalhadoras rurais
- Associação dos produtores rurais do assentamento 10 de Abril
- Núcleo Tramas/UFC
- Fórum Cearense pela vida no semiárido
- Rede de agricultores /as agroecológicos do território vales do Curu e Aracatiaçu
- Centro de estudos do trabalho e assessoria ao trabalhador - Cetra
- Instituto Verdeluz
- Rede Urucum
- Renap - CE