Maria Neuza é marisqueira e criou sete filhos na beira do rio Cocó, na comunidade da Boca da Barra, em Fortaleza. Na audiência pública realizada na tarde desta sexta-feira, 12, pela Comissão de Meio Ambiente da Assembleia, Neuza emocionou-se. “Vocês querem tirar a gente, que nasceu e se criou ali. Desde que marcaram nossas casas, não tivemos mais sossego. Ninguém avisa pra gente o que vão fazer, tratam a gente feito bicho. Nós não somos 'animal' não! Isso é falta de respeito com a gente!”, disse.
Maria Neuza é uma das várias moradoras de comunidades tradicionais existentes na área que, no dia 5 de junho, será lançada via decreto do governo como Parque Estadual do Cocó. O projeto do Parque, apresentado na audiência pelo secretário de meio ambiente Artur Bruno, é criticado pelo próprio movimento ambientalista, que há décadas luta por ele. Isso porque, entre outros pontos, não estão inclusas, na área protegida pelo Parque, várias regiões de dunas, onde há forte especulação imobiliária e porque há a ameaça de remoção de moradores das comunidades da Boca da Barra, da Casa de Farinha e Olho D’água.
Os nativos, que tiveram suas casas, marcadas, denunciam ameaças e ações truculentas por parte da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SEUMA). “Nós somos cidadãos, temos direitos. É muito constrangedor ver um carro da SEUMA chegar lá com 4 seguranças armados. Nós somos uma comunidade tradicional, não uma facção”, declarou Roniele Silva de Sousa, morador da Boca da Barra,
Outro ponto de crítica é falta de diálogo por parte da Prefeitura Municipal de Fortaleza, que diversas vezes se isentou dos debates público sobre a regulamentação do Parque do Cocó. A Prefeitura confirmou participação na audiência pública, mas na manhã de sexta-feira disse que não estaria presente.
O Parque Estadual do Cocó terá área de 1.571 hectares, incluindo todo o trecho do Rio Cocó (24,8 km), o que o faz o 4º maior parque em áreas urbanas das Américas. Nesse trecho foram identificados 666 imóveis, entre eles o de Maria Neuza, que, segundo Artur Bruno, poderão ficar ali após a comprovação, por meio de um estudo antropológico, de que são tradicionais. Isso, no entanto, não estará no decreto que será apresentado no dia 5 de junho, que não explicita como se dará essa proteção às comunidades tradicionais.
“O Parque do Cocó não é um projeto do governador Camilo Santana, mas do povo de Fortaleza. O projeto não é do governo, é da sociedade de Fortaleza”, defendeu o secretário Artur Bruno, que se comprometeu em encaminhar para os moradores impactados pela regulamentação do parque um parecer técnico-jurídico sobre a manutenção dos mesmos, além da implementação do “Pacto pelo Cocó”, acordo de comprometimento coletivo da sociedade com o Parque. Bruno, entretanto, não divulgou o texto do decreto estadual nem apresentou garantias que as áreas do parque onde estão essas comunidades serão transformadas em reservas extrativistas (Resex), modalidade de unidade de conservação que permitiria a permanência dessas populações.
Renato Roseno, que requereu e presidiu a audiência pública, lembrou que “uma comunidade tradicional, que está em sintonia com o seu ecossistema, é um ensinamento muito grande para todos nós. O maior desafio que a humanidade vai enfrentar, é, sem dúvida nenhuma, o ambiental, por isso nós temos tamanha determinação em pensar outras formas de habitar o ecossistema”. Renato anunciou que vai formalizar um pedido ao governo do estado para que o texto do decreto seja publicizado.
Foram encaminhados na audiência a solicitação, diretamente ao governador, da permanência da comunidade Casa de Farinha na região do Cocó; o acesso à minuta de decreto que cria o Parque, que até agora não foi encaminhada aos movimentos que a solicitaram; a criação de um grupo de trabalho para discutir a questão da inclusão das áreas de dunas no Parque Estadual do Cocó e a judicialização da ausência reiterada da Prefeitura Municipal de Fortaleza nos espaços de discussão sobre a questão.
Estiveram ainda presentes na audiência pública o professor da Universidade Federal do Ceará, Jeovah Meireles; o morador da comunidade Casa de Farinha, Antônio José do Nascimento; a representante do Instituto Patativa, Nadja Havt; Gabriel Aguiar e Arnaldo Fernandes, do movimento SOS Cocó; o ex-deputado federal e ambientalista João Alfredo; a representante do Instituto Verde Luz, Luana Adriano; a defensora pública da União Lídia Nobrega; e o defensor público do Estado José Lino Fonteles. (Texto: Frida Popp / Fotos: Lucas Moreira)