A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do Ministério Público Federal, encaminhou na sexta-feira (22) ao procurador-geral da República, Augusto Aras, um conjunto de argumentos para subsidiar parecer a ser apresentado no âmbito da ação de Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 667, que tramita no Supremo Tribunal Federal. Proposta pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) em março deste ano, a ADPF pede que sejam declaradas inconstitucionais leis municipais que proíbem a pulverização aérea de agrotóxicos em plantios e lavouras e sobre a população.
No documento ao procurador-geral da República, a PFDC destaca que as leis municipais impugnadas não tratam das matérias de competência privativa da União, visto serem normas de interesse local e que buscam reduzir o risco de contaminação pela população e trabalhadores residentes naqueles municípios, eventualmente afetados pela pulverização aérea de agrotóxicos. A procuradoria aponta que não há que se falar em usurpação da competência privativa da União, pois o lançamento de agrotóxicos por via aérea é atividade que não se confunde com a navegação aérea – uma vez que o uso de aeronaves se dá dentro de propriedades rurais, em distâncias e alturas ínfimas se comparadas às de voos comerciais para transporte de carga ou passageiros.
“Considerando a gravidade dos impactos que podem advir ao meio ambiente e à saúde da população com o desenvolvimento dessa atividade, nada mais coerente que o município possa decidir sobre a sua autorização ou não no âmbito do seu território, dentro das balizas constitucionais protetivas aos direitos fundamentais”, defende. Em seu posicionamento, a PFDC lembra ainda que existe um extenso marco normativo, firmemente enraizado na Constituição Federal e irradiado no ordenamento, de proteção aos direitos fundamentais à vida, à saúde e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo-se a proibição da intervenção indevida, mas também a proteção de maneira adequada e suficiente, sob pena de descumprimento do texto constitucional.
“O art. 225 consagra o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo-se ainda ao Estado e à coletividade o dever de proteção desse bem essencial. Já o artigo 196 estabelece que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos. Sua estreita ligação aos direitos à vida e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado os colocam como interdependentes”, explica a PFDC. O conjunto de argumentos é assinado pela procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, e pelos procuradores da República Julio Araujo e Marco Antonio Delfino.
Para os procuradores, a Confederação Nacional da Agricultura tenta fazer da ADPF proposta uma ação sobre liberdade econômica, quando, em verdade, se trata de leis destinadas fundamentalmente à tutela da saúde e do meio ambiente. “As pretensões de natureza eminentemente econômica que motivam o pedido até poderiam ser sopesadas caso pudessem remeter a outros princípios de tamanha fundamentalidade, colidentes com o direito invocado. Ocorre que, dentre os interesses ora postos em conflito, não podem desígnios meramente financeiros, visíveis por debaixo da alegação de ofensa ao livre exercício de atividade econômica, prevalecerem sobre os direitos ao meio ambiente, à saúde e à vida, que a norma combatida visa a proteger", defendem.
Lei estadual
Em junho do ano passado, a CNA já havia ajuizado a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6137 contra a lei estadual 16.820/2019, do Ceará, de autoria do deputado estadual Renato Roseno (PSOL), que proíbe a pulverização aérea de agrotóxicos e a incorporação de mecanismos de controle vetorial por meio de dispersão por aeronave em todo o estado. Na época, o Grupo de Trabalho Agroecologia do Ministério Público Federal (MPF) manifestou-se favoravelmente à proibição e elaborou nota técnica em defesa da constitucionalidade da lei estadual. A ação segue tramitando no STF sob relatoria do ministra Carmen Lúcia.
Na ação, a CNA sustenta que as leis violam preceitos fundamentais da Constituição, com supostas inconstitucionalidades formal e material. A alegação é de que as leis partem da premissa equivocada de que “os defensivos causam malefícios à saúde humana como câncer”. A Confederação aponta ainda uma suposta violação à repartição constitucional de competências, pois caberia privativamente à União legislar sobre direito civil e comercial. (Texto: Felipe Araújo, com informações da assessoria de comunicação da PFDC / Foto: Divulgação)