Entoando cânticos de saudação a Tupã, a "parentada" ocupou a Assembleia Legislativa. Ostentando a exuberância de seus cocares e pinturas, representantes de 15 etnias existentes em 19 municípios no Ceará foram ao parlamento denunciar ameaças e violações sistemáticas de direitos; e também cobrar avanços em relação a temas como demarcação de terras, promoção de políticas públicas de saúde e desenvolvimento de projetos na área de educação.
Na última quarta-feira (22), uma audiência pública realizada pela Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia discutiu a situação dos povos indígenas cearenses. O encontro foi resultado de um requerimento feito pela Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Ceará (Fepoince) e foi presidido pelo deputado estadual Renato Roseno (PSOL).
“Os povos indígenas solicitaram essa audiência pelo que vem acontecendo. A gente vem sofrendo há muitos anos retrocesso de conquistas que já conseguimos, e de outras que a gente deseja. Com esse novo governo, a gente vem sofrendo ataques em todas as esferas dos povos indígenas. Então, a gente solicitou a audiência para tratar como está hoje o movimento indígena no Ceará”, explicou Cristina Pitaguari, uma das lideranças indígenas presentes à audiência.
No pedido enviado à comissão, a Fepoince afirma que o estado é o mais atrasado na demarcação, possuindo apenas uma terra homologada, entre 22 reivindicadas. De acordo com a entidade, a partir do governo Bolsonaro e da MP 870, as violações se intensificaram, consolidando em âmbito nacional uma verdadeira lógica anti-indigenista e de esfacelamento de políticas públicas importantes para o movimento indigenista.
“Queremos utilizar a força da Assembleia Legislativa e do Governo do Ceará têm para pressionar a bancada cearense na Câmara Federal e no Senado para tentar, mesmo entendendo a dificuldade, abrir um diálogo com o Executivo da importância de se preservar a cultura indígena, de garantir a demarcação dos territórios, ter uma continuidade da política de educação indígena e também na assistência da saúde indígena”, comentou Thiago Anacé, professor e membro da Comissão de Lideranças Indígenas do Povo Anacé de Caucaia e São Gonçalo do Amarante.
Para Cassimiro Tapeba, um dos idealizadores do Movimento da Juventude Indígena do Ceará e representante da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste (Apoinme), a violação de direitos se inicia a partir do momento em que o território indígena não é demarcado. "Desde os anos 80, a partir da retomada da luta pelo nosso território, até o dia de hoje, nós estamos nessa luta. Nós temos muitas terras indígenas no Ceará com a demarcação não finalizada, inclusive só uma com o processo finalizado, e o restante não concluído”, afirmou.
Presidente da Comissão de Direitos Humanos, o deputado Renato Roseno destacou a importância do debate como espaço democrático de escuta das comunidades, principalmente em relação ao processo de demarcação de terras indígenas no estado. "Temos hoje 14 povos reconhecidos no Ceará, o décimo quinto em processo de reconhecimento, e apenas uma terra indígena demarcada", informou. Entre as pauta discutidas, a audiência tratou da demarcação de terras, da realização de concurso público pelo Governo do Estado para professores indígenas e da criação de projetos e ações sustentáveis na agricultura.
De acordo com Roseno, a demarcação é a primeira dívida que o Ceará tem com os povos indígenas. Nos últimos 10 anos, ele avaliou, houve um retrocesso ”gigantesco” nas questões indígenas no Brasil: demarcações de terras não avançaram, ocorreram assassinatos de lideranças indígenas por conta de conflitos fundiários e houve destruição das culturas desses povos. O avanço que houve nos últimos anos, segundo o parlamentar, foi o reconhecimento dos movimentos na luta de identidade desses povos por respeito às suas tradições.
Ezequiel Tremembé, da Comissão de Juventude Indígena no Ceará (Cojice), disse que os índios estavam novamente na Assembleia Legislativa para mostrar a indignação com o atual Governo, que vem violando o direito constitucional da terra, o que fere a história, a identidade e a cultura dos povos indígenas. "Hoje a gente vem expor nossa indignação e a nossa luta para a garantia de nosso território", desabafou.
O vereador Weibe Tapeba, do município de Caucaia, afirmou que a audiência acontece no momento em que o próprio estado brasileiro é o maior perseguidor dos direitos e das causas indígenas. "Hoje, enquanto estamos aqui, pode estar sendo votada no Congresso Nacional a medida provisória que transfere a Funai para o Ministério da Agricultura, que é ligado aos ruralistas, nosso principal inimigo dentro da estrutura federal na área de demarcação de terras", denunciou. Ele disse contar com o apoio dos parlamentares cearenses e do Governo do Estado para impedir a aprovação da transferência da Funai.
Weibe também apresentou um protocolo de intenções com várias reivindicações e propostas dos povos indígenas e pediu a assinatura simbólica dos parlamentares presentes à reunião. Dentre as propostas está a formação de uma Frente Parlamentar Indígena na Assembleia Legislativa.
Durante a audiência, também foi lançado o livro “Violações de direitos indígenas no Ceará: terra, educação, previdência e mulheres”, produzido pela Associação para Desenvolvimento Local Co-produzido (Adelco), em parceria com o movimento indígena, com financiamento da União Europeia. A obra é apresentada por Ceiça Pitaguary, da Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Ceará (Fepoince).
Também participaram do debate o ex-deputado e advogado João Alfredo, representando a Comissão de Direito Ambiental da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-CE); o procurador Ricardo Magalhães, do Ministério Público Federal no Ceará; Lucas Guerra, do Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos da Arquidiocese de Fortaleza; Magnólia Saib, do Centro de Pesquisa e Assessoria Esplar; Lourdes Vieira, da Coordenadoria da Associação para o Desenvolvimento Local Co-produzido (Adelco); Juliana Jenipapo Kanidé, da Associação das Mulheres Indigenas, além de representantes das comunidades Tapeba, Jenipapo-Kanidé, Tremebé, Potiguara, Pitaguary, Kalabaça, Tupinamba, Tabajaras, Anacé e Kariri. (Com informações da Ascom/AL - Fotos: Felipe Araújo e Ascom/AL)