O terror e a violência da noite de 11 de novembro de 2015, naquela que se tornaria a terceira maior chacina do Ceará, destruiu a vida de 11 pessoas, entre jovens e adultos inocentes. O caso, que ficou conhecido como “Chacina do Curió”, levará ao júri popular na próxima terça-feira (20), a partir das 9h, no 1º Salão do Júri do Fórum Clóvis Beviláqua, os primeiros quatro acusados. Ao todo, 34 policiais militares se tornaram réus neste episódio. Há quase oito anos, as famílias das vítimas esperam por justiça.
Entenda o caso
A partir da noite do dia 11 de novembro, policiais militares assassinaram, em ação simultânea, 11 pessoas e feriram outras sete, na Grande Messejana, em Fortaleza, segundo investigação Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e do Ministério Público do Ceará (MPCE).
Algumas vítimas chegaram a ser retiradas de suas casas e atingidas nas costas e na cabeça. A ação teria sido motivada por um “justiçamento” — justiça pelas próprias mãos — pela morte de um colega dias antes. Nenhuma das vítimas tinha qualquer envolvimento com o caso que vitimou o agente. O MPCE denunciou 44 agentes envolvidos. Destes, 34 foram pronunciados para ir a júri popular. Os outros 10 vão a julgamento comum.
Na avaliação do deputado estadual Renato Roseno (Psol), o julgamento do Caso Curió pode vir a ser um dos maiores casos de responsabilização de violência policial no Brasil e a condenação pode representar um caso exemplar. “Essa dor tem que nos atravessar. Não é possível haver justiça sem a responsabilidade criminal e os arranjos institucionais para que essas famílias enlutadas e os sobreviventes sejam acolhidos”.
Acompanhamento
Desde os bárbaros assassinatos, o mandato do deputado estadual Renato Roseno acompanha o caso e isso se intensificou ao assumir a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Ceará (CDHC). Ainda em 2015, cobrou a apuração dos homicídios e proteção das vítimas sobreviventes, familiares e testemunhas. Nos anos seguintes, audiências públicas e reuniões técnicas foram realizadas.
Este ano, a então presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE), Maria Nailde Pinheiro Nogueira, recebeu a mães, a CDHC, a Defensoria Pública, e representantes de entidades civis que acompanham o caso. O objetivo foi pedir a celeridade dos processos e desentrave de algumas burocracias que estavam atrapalhando o bom andamento. “Foi um momento histórico de reparação, tendo em vista que a chefe do poder judiciário recebeu as mães das vítimas”, acredita Roseno.
O apoio psicológico e psiquiátrico, uma das medidas não monetárias que busca a reparação de danos causados, tem sido uma forte luta do grupo de famílias afetadas pela criminosa ação da polícia. “O Estado nos arrancou nossos filhos e sentimos a dor novamente com esse descaso e falta de amparo. A gente não está pedindo esmola. Eu quero a responsabilização. Já que matou nossos filhos, o Governo do Estado abriu espaço para cobrar o que é nosso, de ter um tratamento digno para as mães”, desabafa Edna Carla Souza Cavalcante, mãe de Álef Souza Cavalcante, um dos jovens assassinados na chacina, que na época do crime tinha apenas 17 anos.
Memória
A partir também da atuação do mandato do deputado estadual Renato Roseno, foi aprovada sua lei que institui a Semana Cada Vida Importa, que ocorre de 11 a 14 de novembro, em memória à data da chacina. A proposta mobiliza Fortaleza e outros municípios do interior para o debate sobre a prevenção aos homicídios de jovens no Ceará. Já foram realizados, de 2018 para cá, cinco edições em articulação com o Comitê de Prevenção e Combate à Violência da Assembleia Legislativa do Ceará.
Em 2016, familiares das vítimas ergueram o Movimento Mães e Familiares do Curió para lutar pela memória e justiça por seus filhos e entes queridos que foram executados na chacina. O grupo expandiu para além da capital cearense e virou semente para a criação do Movimento Mães Vítimas Por Violência Policial do Estado do Ceará, conhecido como Mães da Periferia. A iniciativa é, em sua maioria, composta por mães que lutam, diariamente, pela justiça e pela memória dos seus filhos, reforçando a inocência das vítimas. "Elas transformaram seu luto em luta", pontua Roseno.
Familiares, entidades ligadas aos direitos humanos, parlamentares e organizações da sociedade civil também têm se mobilizado em torno da campanha de mobilização #11docurió que busca lutar pela memória e justiça pelas vítimas da chacina. A campanha possui perfil no Twitter e Instagram. A iniciativa em conjunto com as instituições também gerou, antes disso, o livro Onze, que também está em formato de audiobook.
As vítimas que morreram na chacina:
Álef Souza Cavalcante, 17 anos; Antônio Alisson Inácio Cardoso, 16 anos; Francisco Enildo Pereira Chagas, 41 anos; Jandson Alexandre de Sousa, 17 anos; Jardel Lima dos Santos, 17 anos; Marcelo da Silva Mendes, 17 anos; Marcelo da Silva Pereira, 17anos; Patrício João Pinho Leite, 17 anos; Pedro Alcântara Barroso, 18 anos; Renayson Girão da Silva, 17 anos; e Valmir Ferreira da Conceição, 37 anos.