Projeto de criação de Delegacia Especializada de Combate à Intolerância Religiosa é aprovado

23/02/22 18:00

O plenário da Assembleia Legislativa aprovou, nesta quarta-feira (23), o projeto de indicação 96/20, de autoria do deputado estadual Renato Roseno (PSOL), que cria a Delegacia Especializada de Combate à Intolerância Religiosa. Com objetivo de combater os crimes contra pessoas, entidades ou patrimônios públicos ou privados cuja motivação seja o preconceito ou a intolerância religiosa, esta unidade fará parte da estrutura organizacional da Superintendência da Polícia Civil.

Autor do projeto, o parlamentar ressaltou que esta é uma demanda trazida, em especial, pelas comunidades de religiões de matriz africana que sofrem com o racismo religioso e a intolerância religiosa. “Na Comissão de Direitos Humanos e Cidadania, a gente tem acolhido várias vítimas, inclusive com ameaça à vida destas comunidades, destas pessoas”, reforçou Roseno.

Com a proposta aprovada, a delegacia a ser implementada pelo Executivo cearense terá como atribuições registrar, investigar, abrir inquérito e adotar todos os demais procedimentos policiais necessários à elucidação dos fatos delituosos, nos casos que envolvam violência, discriminação de natureza religiosa ou racismo religioso.

“Temos desenvolvido ações de educação para a diversidade, pluralidade, respeito e combate e, por outro lado, de haver equipamentos públicos para a responsabilização daqueles que cometem crimes de intolerância e racismo”, acrescentou o autor do projeto.

Para seu funcionamento e atendimento das vítimas, os servidores da delegacia deverão participar de capacitações específicas promovidas pela Academia Estadual de Segurança Pública do Ceará, em parceria com a Coordenadoria Especial de Políticas para a Promoção da Igualdade Racial.

O pai de santo Paulo Ricardo Muniz, conhecido como Pai Ricardo de Xangô, ressalta que a cobrança por esta unidade urge há alguns anos, pois, enxerga que tem crescido a intolerância, principalmente contra as religiões de matriz africana e ameríndias. “Agora, é importante não só que a delegacia exista, mas que cumpra sua função. Não aguentamos mais sermos taxados de práticas demoníacas, sofrer quando toca as músicas dos nossos orixás”, exemplifica.

A unidade também atuaria no ambiente virtual, com enfoque em casos de insultos racistas e religiosos e no cometimento de crimes contra a honra por motivação religiosa nas redes sociais. “Nada autoriza as práticas de intolerância e racismo a quem quer que seja”, reforça Roseno.

Vitória coletiva

Em agosto de 2020, um conjunto de 150 entidades religiosas e outras organizações da sociedade civil lançou um manifesto público em apoio à criação da Delegacia Especializada no Combate à Intolerância Religiosa no Cear. Além de organizações vinculadas às igrejas cristãs católicas e evangélicas, o documento também foi assinado por organizações espíritas, candoblecistas, umbandistas, indígenas, dos movimentos negros, dos povos ciganos, dentre outros.

Entre as organizações que aderiram a este movimento, estão entidades de abrangência nacional, como o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC); a KOINONIA Presença Ecumênica e Serviço; e a ONG Terra de Direitos; além de entidades presentes em outros estados como a Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE), na Bahia; a Associação de Saúde Socioambiental, em São Paulo; o Comitê Afro Religioso de Combate à Covid 19, no Maranhão; e a ONG Crioula, no Rio de Janeiro. “Essa é uma vitória partilhada, mas sobretudo com iniciativa auto-organizada dos movimentos dos povos de terreiro”, comemorou Roseno.

Casos

Há poucos dados em relação ao tema, mas dentre os mais atuais, levantados pelo antigo Ministério dos Direitos Humanos — atual Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) —, apontam que o Disque 100, que reúne relatos de intolerância religiosa, recebeu uma denúncia a cada 15 horas, entre os anos de 2015 e 2017, no Brasil. A maioria das vítimas (39%) foram pessoas de religiões de origem africana. Já em 2019, as denúncias de intolerância religiosa aumentaram 56% em comparação ao mesmo período do ano anterior, saltando de 211 para 354.

No Ceará, de 2012 a 2019, o mesmo canal recebeu 70 casos, mas este número é bem abaixo da realidade, na avaliação de Pai Ricardo de Xangô. "Muitos não conseguem denunciar e não conhecem as ferramentas de apoio", explica.

Iniciativas em outros estados

São Paulo e Rio de Janeiro já possuem suas delegacias voltadas para crimes raciais e delitos de intolerância. O mesmo equipamento também já existe em estados como Minas Gerais, Distrito Federal, Paraíba, Pará, Maranhão e Sergipe. Estados como o Paraná estão em processo de implantação de delegacias semelhantes e outros, como Alagoas, Amazonas, Espírito Santo, Rio Grande do Sul e Bahia, discutem o tema em projetos que tramitam em seus parlamentos.

O que diz a legislação brasileira?

A lei federal nº 7.716/89, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, afirma em seu artigo 1º que “serão punidos os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. Por redação dada pela lei nº 9.459/97, a norma prevê, ainda, que quem induz ou incita a discriminação ou preconceito motivado por tais dimensões está sujeito à pena de reclusão de dois a cinco anos, além de multa.

Também por lei federal (nº 11.635), publicada no dia 27 de dezembro de 2007, foi instituído o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, a ser rememorado anualmente em território nacional no dia 21 de janeiro. A data faz menção ao dia do falecimento da Iyalorixá Mãe Gilda, do terreiro Axé Abassá de Ogum (BA), vítima de intolerância por ser praticante de religião de matriz africana. A sacerdotisa teve a casa atacada e pessoas da comunidade foram agredidas após ser acusada de charlatanismo. Iyalorixá Mãe Gilda morreu no dia 21 de janeiro de 2000.

O projeto de indicação completo está disponível aqui.

Áreas de atuação: Estado laico, Segurança pública