Incentivar instituições e pessoas que contribuem com a preservação e recuperação de áreas naturais e gerar envolvimento da sociedade civil em processos ligados à melhoria da qualidade e da disponibilidade dos recursos hídricos no Ceará. Estes são os objetivos do projeto de lei 230/2023, de autoria do deputado estadual Renato Roseno (PSOL), que começou a tramitar na Assembleia Legislativa no último mês de fevereiro. A iniciativa cria a Política Estadual do Produtor de Água, inspirada em um programa que já existe na cidade de Crato, no sul do Ceará.
O objetivo, segundo Renato, é incentivar o cuidado e a conservação das nascentes, levadas, coberturas vegetais e áreas de cabeceira. “Com ele (o projeto), seriam identificados e mapeados nascentes e olhos d’água e seu estado de conservação, além de estimular a educação ambiental”, explica o parlamentar.
Experiência exitosa
No Crato, entidades ou pessoas físicas são remuneradas a partir do seu trabalho de preservação nos locais onde há incidência de nascentes, levadas e áreas de recarga do aquífero. O Programa Produtor de Água de Crato, desenvolvido em parceria entre a Prefeitura e a Sociedade Anônima de Água e Esgoto do Crato (SAAEC), destina para a remuneração desses produtores 0,3% da tarifa arrecadada pela operadora de água do Município.
Lá, o programa foi instituído a partir de lei municipal, aprovada em 2017, mas seu lançamento se deu no ano passado. A ideia surge a partir do Pagamento por Serviço Ambiental, conceito idealizado pela Agência Nacional das Águas (ANA). No caso do Crato, a remuneração se dá a partir da criação do Fundo Municipal Produtor de Água (FMPA), instituído pela mesma lei, que já recebe aportes da SAAEC no percentual de 0,3% da tarifa para cada metro cúbico arrecadado — 0,1% cobrado do usuário e 0,2% de sua receita.
Os usuários da SAAEC também podem doar voluntariamente, através de requerimento informando o valor a ser repassado além de sua tarifa. Empresas, instituições nacionais e internacionais e pessoas físicas também poderão realizar doações ao FMPA. O presidente da companhia, o geólogo Yarley Brito, explica que o recurso entregue a cada participante pode variar e gerar até R$500, mensalmente. A participação acontece por chamamento público e a equipe da empresa faz o diagnóstico da área.
No entanto, para o geólogo, o mais importante é o caráter simbólico da doação e de exemplo que a iniciativa tem servido. “Quando a gente planta uma árvore, a gente planta água. Ela dá umidade ao ambiente e esta umidade preserva a água. Com o tempo, a capacidade de vazão destas nascentes aumenta”, explica.
Outro fator importante na conservação e produção de águas que se dá no Crato é que, a partir do cuidado com nascentes, há um direto cuidado com a preservação de espécies ameaçadas, como a Antilophia bokermanni, popularmente conhecida como soldadinho-do-araripe, ave endêmica da região que se reproduz necessariamente sobre cursos d’água.
Neste cenário, a Associação de Pesquisa e Preservação de Ecossistemas Aquáticos (Aquasis), ONG que realiza trabalho de preservação do soldadinho-do-araripe é uma das cinco entidades que, atualmente, são produtoras de água e entra como parceira do programa no Crato, em uma área de 102,7 hectares de Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN).
Em caso de aprovação do projeto de lei em nível estadual, a implementação do programa ficaria a cargo do poder executivo. Ele prevê como contrapartida a emissão de certificado a ser outorgado pela Secretaria do Meio Ambiente do Estado (Sema). “A nossa proposta busca instituir diretrizes para a promoção da melhoria da qualidade da água e assegurar a disponibilidade dos nossos recursos hídricos para a presente e futura gerações. A experiência da lei municipal em Crato mostra que, através de disposições simples, podemos criar instrumentos eficazes de promoção da garantia de água”, detalha Renato.
O deputado lembra que, ainda em 2020, o Comitê da Bacia do Coreaú desenvolveu o Projeto Produtor de Água na busca promover a educação e conscientização ambiental nos municípios integrantes da referida bacia, iniciativa que integraria diversos órgãos como a Secretaria de Recursos Hídricos, a Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (COGERH) e a Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace). “Todas estas iniciativas dão conta da relevância deste tema e o potencial que um programa deste tipo pode transformar na conservação dos recursos hídricos”, finaliza. (Texto: Antonio Rodrigues / Foto: Divulgação)