O Ceará poderá ter, em breve, uma política estadual de controle de armas de fogo. A proposta é do deputado estadual Renato Roseno (PSOL), que, na última quarta-feira (29), protocolou na Assembleia Legislativa um projeto de lei com o objetivo de combater o tráfico ilícito de armas e munições.
“Esse controle representa hoje um dos maiores desafios para a eficácia das políticas de segurança pública”, defende Renato. “É uma possibilidade efetiva de redução da conflitualidade armada, seja nas relações interpessoais, que resultam em diversos eventos violentos; seja no que diz respeito aos grupos criminosos, que se estabelecem e se alastram pelo poder das armas”.
Entre outras medidas, o projeto de Renato prevê a marcação e o rastreamento das armas de fogo. Para isso, as armas adquiridas e utilizadas dentro do Estado deverão possuir um dispositivo eletrônico de identificação (chip) contendo a identificação do fabricante, a data de fabricação, a cadeia dominial e a identificação do proprietário. A proposta também estabelece a limitação do número de munições por cada lote adquirido, bem como a gravação da numeração nos estojos, como forma de facilitar o rastreamento.
A iniciativa é inspirada em projetos semelhantes aprovados em Pernambuco e, mais recentemente, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. O texto fluminense, por exemplo, prevê que as armas usadas pelas forças de segurança pública e também pelas empresas de segurança privada tenham chips eletrônicos de identificação. E que todas as armas tenha um Número de Identificação de Arma de Fogo (NIAF), entre outras medidas.
Para Bruno Langeani, do Instituto Sou da Paz, o projeto de Renato tem o mérito de tratar do tema do controle de armas e do combate ao tráfico de armas, que são esforços fundamentais em qualquer política de redução da violência. "É um projeto que tem três eixos fundamentais para uma política estadual de controle de armas: ele dá diretrizes para as polícias de como identificar e rastrear as armas; ele olha para a questão das armas apreendidas, evitando o desvio das armas que passam pelo fóruns e delegacias; por fim, ele dá diretrizes sobre como controlar o estoque institucional de armas e munições do governo do Estado", afirma. "A aprovação desse projeto traria um grande alento para o cenário de violência no Ceará".
ESTATÍSTICAS - Segundo o relatório do Atlas da Violência 2018, entre 1980 e 2016, cerca de 910 mil pessoas foram mortas com o uso de armas de fogo no Brasil. No início dos anos 1980, para cada 100 pessoas assassinadas, cerca de 40 eram vítimas de armas de fogo. Já em 2003, as vítimas por arma de fogo representavam 71,1% do total, percentual que persiste até os dias atuais. Entretanto, entre 2006 e 2016, o crescimento de mortos por arma de fogo foi de 27,4% no Brasil.
Segundo Renato, este cenário se dá no contexto da grave crise de segurança pública atravessada pelo Brasil nos últimos anos, agudizada por contextos regionais, como o do Nordeste brasileiro. Somente em 2017 foram 63.880 mortes violentas intencionais, de acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. “No Ceará a situação é mais preocupante e delicada, dado que a realidade em referência à violência armada cresceu acentuadamente nos últimos anos”, alerta. Entre 2006 e 2016, aumentaram em 174,3% as mortes por arma de fogo no estado, enquanto que a taxa geral de homicídios variou em 86,3%. Em 2017, foram registrados 5133 homicídios, o maior número já registrado na história do Ceará.
“O Estado possui hoje a terceira maior taxa de homicídio do Brasil, com 59,1 casos para cada 100.000 habitantes, atrás apenas do Rio Grande do Norte e do Acre”, afirmou Renato, que é relator do Comitê Cearense Pela Prevenção de Homicídios na Adolescência, colegiado criado na Assembleia Legislativa a partir de uma parceria com o Unicef e que vem ganhando notoriedade nacional e internacional.
O trabalho do Comitê realizou uma pesquisa pioneira com as famílias dos adolescentes vítimas de homicídios em sete cidades do Estado e chegou a um conjunto de evidências que expõem esses jovens às dinâmicas da violência e os tornam vulneráveis aos homicídios. “Uma das evidências encontradas é exatamente, na dimensão comunitária, a alta exposição de adolescentes às armas, muitas vezes com o acesso facilitado de parentes e/ou amigos”, explica o parlamentar.
Uma das recomendações do Comitê é a organização de medidas de controle de armas e munição. “Uma das evidências levantadas pelo comitê aponta que as armas de fogo têm importância fundamental no incremento das mortes de adolescentes. Em Fortaleza, o meio utilizado para os homicídios de 94% dos adolescentes, em 2015, foi arma de fogo”, afirma Renato.
NIAF - O projeto de lei que começa a tramitar na AL prevê também a regulamentação da numeração das armas de fogo apreendidas, através do Número de Identificação de Arma de Fogo (NIAF). Segundo o deputado, é preciso se promover um efetivo controle das armas de fogo apreendidas pelas polícias, com uma eficiente cadeia de custódia, bem como arantir que a arma apreendida seja a mesma que chega à Justiça, protegida de toda e qualquer forma de contaminação, degradação e/ou adulteração.
“Trata-se de medida fundamental também o mapeamento das áreas com incidências relevantes de apreensões, como forma de prevenir ações da criminalidade e garantir às futuras gerações uma política de segurança mais eficaz e uma sociedade menos violenta”, defende Renato. “Muitas armas que são apreendidas acabam por voltar para o mercado ilegal da criminalidade sem que sejam devidamente apuradas as responsabilidades”.
Para o parlamentar do PSOL, o tráfico de armas é uma atividade “perniciosa”, que além de aumentar enormemente o nível de insegurança para a população, também gera graves problemas e relevantes prejuízos para o Estado. “Material bélico que entra no mercado legalmente, sejam armas ou munições, acabam sendo utilizados para a prática de crimes, por quadrilhas e bandos no tráfico de drogas, em homicídios, em roubos e outros”, alerta o deputado.
“Nossso projeto objetiva criar mecanismos que visem diminuir e até mesmo evitar a circulação ilegal de armas, e também o desaparecimento, extravio, furto, roubo de armas, munições e explosivos no âmbito da responsabilidade dos órgãos oficiais”, completa.