Um relatório da Assembleia Provincial, datado de 1863 e assinado pelo presidente da província José B. C. Figueiredo Júnior, declarou não existir no Ceará índios aldeados ou bravos. O documento afirmava que, entre os que aqui habitavam, uma parte teria sido dizimada e outra parte teria migrado ou se descaracterizado. Até hoje, esse registro, mesmo com as previsões constitucionais em sentido contrário, é determinante na legitimação do discurso da suposta extinção dos indígenas no Estado.
“Pelo menos do ponto de vista simbólico, a ideia do desaparecimento das populações autóctones vingou, tanto que se questionarmos a maioria dos cidadãos cearenses nos dias atuais sobre a presença indígena no estado, o resultado seria quase unânime: os índios não existem, os remanescentes foram misturados ao restante da população", explica a historiadora e doutora em História Ticiana Antunes, autora do estudo "1863: o ano em que um decreto - que nunca existiu - extinguiu uma população indígena que nunca deixou de existir".
"No âmbito local, o século XIX foi marcado pelo aumento do assédio das terras indígenas por parte da elite, que ocupava cargos públicos, intensificando a legalização da espoliação. A alegação era a mesma da burocracia estatal: abandono das aldeias por parte dos índios e a mistura com os civilizados”, ela completa.
Para o deputado estadual Renato Roseno (PSOL), o direito ao desenvolvimento das comunidades indígenas é considerado direito fundamental em decorrência dos princípios constantes na Constituição Federal de 1988 e nos tratados internacionais incorporados pela legislação brasileira. "A demarcação das terras indígenas e o reconhecimento de sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, estão normatizados no art. 231 da Constituição, que afirma o direito dos povos originários às terras que tradicionalmente forem ocupadas por eles", destaca o parlamentar.
Pensando no tema, Renato apresentou um projeto de lei (PL 402/19) que reconhece a existência, a contribuição e os direitos dos povos indígenas no estado do Ceará. A proposta, que começou a tramitar na Assembleia Legislativa nessa quarta-feira (3), destaca a presença da cultura indígena para a formação do patrimônio cultural da sociedade cearense.
"Durante mais de 500 anos os indígenas vêm sendo violentados em sua cultura, vida e na usurpação de suas terras, tendo muitas vezes que se esconder e negar sua história por uma questão de sobrevivência", afirma o parlamentar na justificativa do projeto. A história da luta dos povos indígenas por seus direitos no Ceará, em particular o autorreconhecimento e a demarcação dos territórios, remonta ao final da década de 70, através da mobilização dos índios Tremembé e Tapeba, com mediação da ONG Missão Tremembé, da Igreja Católica e das Universidades.
Segundo estudo realizado pela Associação para o Desenvolvimento Local Co-produzido (Adelco), junto ao Centro de Pesquisa e Assessoria (Esplar), com o apoio financeiro da União Europeia, entre 2016 e 2017, o Ceará possui uma população de 32.000 índios e mais de 14 povos. No entanto, até o momento, somente uma única terra indígena foi homologada. Outros processos de demarcação estão judicializados por serem contestados por aqueles que possuem interesse financeiro nos territórios.
"A presente proposição visa afirmar que os povos indígenas no Ceará, no passado, não foram extintos; bem como reafirmar a existência desses povos no presente, e também seus direitos, não restando dúvida quanto sua importância social, cultural e ambiental", defende Renato. (Texto: Felipe Araújo / Foto: Divulgação)
[+] Saiba mais: