Há seis anos, fomos atravessados pela dor de perder a nossa companheira Marielle Franco, aos 38 anos de idade. Cria do Complexo da Maré, no subúrbio carioca, ela havia completado pouco mais de um ano de seu primeiro mandato como vereadora do Rio de Janeiro — foi a quinta mais votada na legislatura de 2017-2020 — quando foi covardemente assassinada, ao lado do seu motorista Anderson Gomes. O 14 de março passou a ser um dia de memória de sua trajetória e, aqui no Ceará, se tornou por lei o "Dia Marielle Franco de Enfrentamento À Violência Política Contra Mulheres". A data, porém, reforça o pedido por justiça: quem mandou matar Marielle?
Ontem (13), o deputado estadual Renato Roseno (Psol) usou a tribuna da Assembleia Legislativa do Ceará (Alece) para cobrar esta resposta. O parlamentar confessou que era próximo da vereadora e, por isso, aquela noite de 14 de março de 2018 e o dia seguinte foram muito marcantes em sua vida. “Marielle era muito minha amiga. Uma semana antes do seu trágico assassinado, havíamos combinado sua vinda ao Ceará para proferir uma palestra aqui”, recorda.
Ao receber o telefonema que informou a morte da companheira de partido, Renato não acreditou. “Era algo muito longínquo a ideia de que uma mandatária, uma pessoa pública, uma das mais votadas, pudesse ser alvo de um crime tão bárbaro”, narra. Naquela mesma noite, viajou à capital fluminense para participar do seu velório, sepultamento e das homenagens. “Ali estavam milhares de pessoas absolutamente transtornadas, de várias gerações, que foram de maneira voluntária e espontânea e imediata demostrar o seu choro e à sua indignação”.
Uma das cenas que lhe chamou atenção foi a dor que dona Marinete Francisco, mãe de Marielle, expressava naquele momento. “Marinete não chorava, ela urrava. Eu já atendi muitas mães, ao longo dos meus 30 anos de militância, que perderam seus filhos pra violência. É meu dever de ofício. A dor de mãe é muito, muito forte. Aquilo me calou muito fundo e talvez eu passe muitos anos e não esqueça dessa cena, de como aquela mãe gritava, porque havia nela um orgulho muito grande de sua filha”, lembra Roseno.
Militância
Mulher negra, periférica, mãe, socióloga, ativista pelos direitos humanos, militante feminista, LGBTQIAP+ e pesquisadora sobre a segurança pública, Marielle já traçava um brilhante caminho na política. Antes de assumir o cargo de vereadora, foi assessora parlamentar do então deputado estadual Marcelo Freixo e, em seguida, coordenadora da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), onde atendia vítimas da violência, incluindo policiais e seus familiares.
Em 2016, em sua primeira disputa eleitoral, foi eleita vereadora no Rio de Janeiro, conquistando mais de 46 mil votos, a quinta mais votada na capital fluminense e a segunda mulher mais votada ao cargo em todo o país. Na Câmara, presidiu a Comissão de Defesa da Mulher, trabalhou na coleta de dados sobre a violência de gênero e, em pouco mais de um ano, apresentou 16 projetos de lei. Suas iniciativas buscavam garantir os direitos das mulheres, da população LGBTQIAP+, de negros e negras e de moradores de favelas. “Ela estava traçando uma linha brilhante como uma figura pública”, reforça Roseno.
Seis anos se passaram e, até agora, só os executores foram identificados. Segundo a Polícia Civil, o policial reformado Ronnie Lessa atirou contra a vereadora e o ex-militar Élcio Vieira de Queiroz dirigia o carro que perseguia Marielle. Contudo, o(s) mandante(s) seguem sem ser revelados e responsabilizados. “A nossa cobrança contina, em alto e bom som: ‘quem mandou matar Marielle?’. Essa continua sendo uma frase em que a Polícia Federal e o Ministério da Justiça precisam respondem”, defende o parlamentar cearense.
Lei cearense
Em 2021, a Alece aprovou o projeto de lei, de autoria do deputado Renato Roseno (Psol), e coautoria da então deputada Augusta Brito, e dos deputados Romeu Aldigueri, Salmito e Elmano Freitas, atual governador do Ceará, que criou o "Dia Marielle Franco de Enfrentamento à Violência Política contra Mulheres". Além de guardar toda a representatividade da data após o assassinato da vereadora carioca, o 14 de março integra o calendário oficial do Estado como uma data de combate à violência política que traz visibilidade a diferentes tipos de agressões sofridas diariamente pelas mulheres.
A lei estadual 17.502/21 tem o objetivo de realizar divulgações, seminários e palestras nas escolas, universidades, praças, teatros e equipamentos públicos sobre Marielle Franco e a importância do enfrentamento à violência política nas cidades cearenses. “O 14 de março é lembrado como uma data importante, em especial para as mulheres que cumprem um mandato público e sabem como isso é difícil. Tem que atravessar a falta de empatia, a ausência de estímulos, as fraudes em cotas eleitorais e o machismo, que tenta silenciar as mulheres quando vão à esfera pública”, finaliza Renato.