Menos de dois anos após aprovar o aumento da contribuição previdenciária dos servidores estaduais, o governo Camilo Santana deu, esta semana, mais um passo contra a aposentadoria pública. Se, em 2016, o governador tinha se antecipado a Temer, ampliando de 11 para 14% o desconto para a previdência estadual, as medidas aprovadas agora consolidam em nível estadual as mudanças já vigentes para o funcionalismo federal desde os governos Lula e Dilma, que extinguiram o direito à aposentadoria integral para os servidores que ganham acima do teto de aposentadoria pago pelo INSS (R$ 5.645,80) e criou a Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público da União (Funpresp).
Com a aprovação das três mensagens, os trabalhadores que ingressarem no serviço público estadual a partir da publicação das novas regras terão um modelo de aposentadoria diferente dos que se encontram atualmente na ativa. Hoje, os servidores recebem aposentadorias com base nos seus vencimentos (integral para os ingressos até 2004 e pela média das maiores remunerações para os ingressos posteriores). Com as novas regras, a previdência pública estadual pagará proventos apenas até o limite do teto do INSS. Quem recebe vencimentos maiores a esse teto terão de recorrer à chamada aposentadoria complementar, que nada mais é que uma forma disfarçada de investimento dependente do mercado financeiro.
No ceará, a instituição da aposentadoria complementar já havia sido aprovada desde 2013, mas não havia ainda entrado em vigor por falta de regulamentação e por não terem sido criadas as entidades que irão gerir os fundos. Com a regulamentação aprovada na última quinta-feira (8), passam a existir duas novas fundações, que farão a gestão do sistema: a Fundação Social do Estado (Cearaprev), responsável pelo regime próprio de previdência dos atuais funcionários públicos civis e militares; e a Fundação de Previdência Complementar do Estado (CE-Prevcom), responsável pela previdência complementar.
DIVISÃO DO FUNCIONALISMO - Embora as novas regras não atinjam diretamente aos servidores atualmente na ativa, a adoção da aposentadoria complementar é um ataque aos direitos gerais dos servidores. A defesa dos serviços públicos passa pela existência de direitos iguais para todos os trabalhadores, tanto os de hoje quanto os futuros.
O funcionalismo será dividido em duas partes, cada uma com direitos previdenciários diferentes. Os que ingressarem após a publicação das novas regras e que tiverem vencimentos superiores ao teto do INSS perderão o direito a terem seus benefícios pagos diretamente pela previdência pública. A fração dos proventos que exceder esse teto dependerá do rendimento da aplicação de suas contribuições no mercado financeiro, com todos os riscos que isso acarreta. Se a instituição financeira onde esses recursos forem aplicados quebrar, não haverá quem pague o prejuízo. A longo prazo, não há garantias de que os servidores recebam proventos com base nos seus vencimentos totais, com risco de que seus benefícios sejam substancialmente reduzidos.
A adoção do regime de aposentadoria complementar abre ainda espaço para a privatização total da Previdência Pública, um direito dos trabalhadores e dever do Estado garantido pela Constituição Federal. É por isso que os agentes do mercado e o capital financeiro apoiam sem reservas esse modelo.
E O DÉFICIT? - O argumento central para as seguidas mudanças nos direitos previdenciários dos servidores é a existência de um déficit previdenciário. Segundo os governo, esse déficit é causado pelo fato de as contribuições previdenciárias serem insuficientes para custear as aposentadorias e pensões. Para este ano, estima-se que o déficit seja de até R$ 1,7 bi. O que o governo não fala é como esse déficit foi gerado.
Em primeiro lugar, porque até a extinção do antigo IPEC, parte do valor das contribuições previdenciárias era usada para custear o atendimento à saúde dos servidores. Somente com a criação do regime próprio de previdência estadual (SUPSEC), em 1999, as contribuições previdenciárias passaram a ser destinadas exclusivamente ao pagamento de aposentadorias e pensões, mas ao custo do garroteamento da saúde dos servidores, uma vez que o Estado não criou mecanismos para a garantia de atendimento médico e hospitalar de qualidade para seus trabalhadores.
Além disso, quando da criação do regime próprio, o governo teria que ter aportado recursos para a constituição de um Fundo Previdenciário, previsto em lei. A venda da Coelce e de outras empresas públicas foram justificadas pelo então governo Tasso para esse fim, mas o dinheiro dessas privatizações nunca chegou. Com isso, o pagamento dos benefícios previdenciários correntes passaram a consumir a totalidade das contribuições governamentais e ainda as dos servidores ativos, impossibilitando o resguardo de parte desses recursos em fundo contábil específico para capitalização, para custeio dos benefícios futuros.
Outro agravante, decorrente das opções políticas de todos os governos anteriores, foi o uso cada vez mais extensivo da terceirização e da contratação temporária de trabalhadores no serviço público. As contribuições desses trabalhadores, em número sempre crescente, assim como a contribuição governamental equivalente, não são destinadas ao regime próprio de previdência, e por isso acabam sendo uma fonte de enfraquecimento adicional do sistema público estadual.
Em 2013, o então governador Cid Gomes aprovou uma outra reforma previdenciária que agravou ainda mais o déficit previdenciário público estadual, através da adoção da chamada “segregação de massa” dos segurados do SUPSEC.
Essa reforma criou dois fundos previdenciários separados (FUNAPREV, abarcando os servidores civis ingressos até 31/12/2013; e PREVMILITAR, abarcando os servidores militares) e mais um terceiro (PREVID, para receber as contribuições correspondentes aos servidores ingressos a partir de 01/01/2014). Com essa medida, os fundos FUNAPREV e PREVMILITAR foram privados do aporte das contribuições de todos os servidores concursados a partir de então, ficando condenados ao déficit permanente, uma vez que os rendimentos financeiros da aplicação dos recursos do PREVID não podem socorrer os dois outros fundos. (Foto: Reprodução da Internet)