O ano de 2023 foi de muitos desafios. O primeiro deles foi incidir, a partir da vitória de Lula, na janela de oportunidade de reconstrução das políticas sociais, que foram muito atacadas no governo anterior. O Ceará, neste contexto, teve o combate à fome como sua prioridade, em ações que fortaleceram as cozinhas comunitárias com entregas de insumos, equipamentos fundamentais que levam comida gratuita a quem mais precisa.
O primeiro ano legislativo do terceiro mandato do deputado estadual Renato Roseno (Psol), neste sentido, buscou continuar em diálogo com as lutas sociais. É a partir disso, que seguimos propositivos. Para se ter uma ideia, apresentamos 45 projetos de lei, em 2023, aprovando sete deles. Em defesa de criar espaços de diálogo entre o poder público e a sociedade, foram requeridas 64 audiências públicas, sendo mais da metade já realizadas.
Também tivemos forte incidência nas políticas orçamentárias. Renato foi o parlamentar que mais apresentou emendas ao Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias para o exercício financeiro de 2024 (PLDO 2024). Foram 35 emendas apresentadas, do total de 141, e 12 aprovadas. As emendas envolveram eixos como transparência, orçamento, combate à fome, educação e Direitos Humanos. Os dados totais de nossa atuação estão disponíveis no nosso Balanço Anual, que pode ser acessado AQUI.
Com mais um ano tão intenso de ações, Renato conversou conosco para avaliar sua atuação e projetar como será de 2024. Na entrevista, o parlamentar também analisou a conjuntura política nacional e anteviu grandes desafios a partir deste ano. Confira!
Assessoria: Como avalia o primeiro ano do terceiro mandato?
O ano de 2022 foi decisivo na história da política brasileira. Há uma consolidação de um processo de polarização. Você tem dois campos, hoje, polarizados na sociedade brasileira. Isso não é propriamente uma novidade na política da América Latina. A América Latina chegou a ter, como foi o caso do Brasil, grandes ciclos de ditaduras civis-militares, que é o máximo de supressão democrática, de polarização, mas no período mais recente, pós-1988, indiscutivelmente há um fenômeno novo: um campo de extrema direita, que é antidemocrática, antidireitos. Nós, o Psol, acertamos em abdicar de ter uma candidatura presidencial e apoiar desde o primeiro turno a candidatura de Lula. Há uma frente pluriclassista, com muitas contradições internas. A gente já sabia disso, mas era absolutamente necessário. O Psol é um partido da esquerda socialista. Ou seja, nós afirmamos o socialismo como nosso horizonte programático e entendemos que cabe a nós estarmos fortalecendo as lutas populares, em prol da transformação social, de direitos. Esse ano, a gente deu sequência a isso. Mas a vitória de Lula não fez aplacar, digamos assim, esse polo reacionário da sociedade brasileira. Vamos lembrar que no dia 8 de janeiro aconteceu uma tentativa de golpe de estado. A gente não pode esquecer isso! Essa tentativa é talvez um dos eventos mais sérios da sociedade brasileira nas últimas décadas. Invasão dos três poderes, depredação. Acho eu que não há sequer comparativo, em todo século XX, porque inclusive teve a tentativa de destruição da sede dos poderes.
Com financiamento dos setores privados...
Acho que tem três elementos: a participação das redes sociais, as plataformas, na veiculação de ideias golpistas. Tem a participação e financiamento dos setores privados e teve a omissão de forças de segurança. Isso é muito grave! Acho que 8 de janeiro começa prenunciando o que iria acontecer. O segundo elemento é o sequestro da pauta nacional pelo centrão. Hoje, de fato, quem determina o que é votado no Congresso é o centrão. Quantas vezes o Governo Federal foi derrotado? Marco temporal, PL do Veneno, desoneração fiscal... Foram vários temas. Então, isso quer dizer que, na prática, estamos vivendo um semipresidencialismo. Isso nos obriga a ter mais gente, mais movimento social pra tentar pressionar a pauta política. No meio disso, tem todas as lutas. Lutas por direitos, contra a violência, lutas pela transição energética, pela natureza, contra as mudanças climáticas. Foi um ano de mais trabalho, de maior intensidade e muito contraditório do ponto de vista nacional.
Do ponto de vista estadual, acho que o primeiro ano do governo Elmano tem algumas marcas importantes. Acho que o Ceará Sem Fome é uma marca importante, a regionalização da oncologia, o VaiVem. Mas também tem contradições, como na política energética. Nós somos muito críticos à essa agenda do urânio, o hidrogênio verde com a presença das eólicas offshore. Nós achamos que é necessário ter cuidado para que isso não venha a fazer sofrer as comunidades. A questão da manutenção de uma certa lógica de segurança muito baseada na ostensividade. Então, assim, são governos que tem contradições e que nós optamos por ser independentes dos governos para tentar manter um vínculo com os movimentos sociais democráticos e combater a extrema-direita. Tentar pautar a luta pela esquerda. O motivo fundacional do Psol, um programa de esquerda socialista, continua mais válido do que nunca. Eu entendo, inclusive, que a ausência de alternativas mais sólidas no campo do socialismo fazem com que o campo do fascismo cresça como uma alternativa antissistêmica. Veja, a rigor, quem é antissistêmico somos nós e não eles.
Renato, 2023 foi um ano bastante propositivo. Quais iniciativas do mandato você destaca?
Os mandatos que a gente tem feito sempre se pautaram por duas características: muito envolvimento com as demandas sociais e tentativa de tradução dessas demandas no parlamento. Nós completamos, agora, 53 leis aprovadas e algumas muito importantes, como a Lei Zé Maria do Tomé, a Lei do Nome Social, a lei da Semana Janaína Dutra, a lei da Semana Maria da Penha, a lei da isenção dos orgânicos, a lei do passe livre das pessoas com HIV, a lei da marcação dos cartuchos, a lei que cria as comissões escolares de proteção e prevenção à violência, a lei do cardápio dos alérgicos. A gente tem lei em todos os campos. Das aprovadas este ano, acho que a lei dos telemáticos é uma lei que toca num ponto invisível: só quem sofre golpe sabe. São milhares de idosos que são golpeados. Por isso, a pressão foi tão grande dos bancos contra a lei. A lei é fruto de uma articulação com a Defensoria Pública, Ministério Público do Estado do Ceará e movimento social da pessoa idosa. Eu destacaria, ainda de 2023, a criação do Fórum do Trabalho Decente, como uma das iniciativas mais interessantes que um trabalho parlamentar possa ter. De juntar todo mundo, de centrais sindicais e o Ministério Público do Trabalho, em torno do trabalho decente.
Este ano também teve muitas audiências públicas. Foram 38, no total, envolvendo diversos temas, como os impactos de grandes obras, questões de trabalho, saúde mental, entre outras. Houve algum debate mais importante?
A audiência pública é um dos mecanismos mais interessantes do parlamento, na medida que consegue colocar na mesma mesa, lado a lado, o poder público e as comunidades. Todas as audiências que fizemos foram neste método: oportunizar que as comunidades sejam ouvidas pelo poder público naquilo que ela demanda. No caso do Cinturão das Águas do Ceará, fizemos a terceira audiência pública sobre a mesma obra e a necessidade de o poder público responder a comunidade. Das marisqueiras, a mesma coisa. Da população privada de liberdade e torturas no prisional. Servidores públicos por reajuste, violência na escola, as eólicas offshore, da questão do notório saber e dos mestres da cultura. Foram várias oportunidades que a sociedade civil se sentou com o poder público para não só expor e dialogar, mas encaminhar.
Mais um ano a frente da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Alece. Como avalia o trabalho em 2023?
Acho que, para nós, a luta por direitos humanos é uma luta ética, política e jurídica. Ela é ética na medida que estabelece um padrão ético de relação entre seres humanos. Ela é política, porque denuncia a desigualdade política da sociedade, econômica e social. É jurídica, porque vários direitos, hoje, são normas jurídicas, a partir do sistema internacional e da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Então, ela tem essa embocadura. A Comissão de Direitos Humanos tem, ao seu lado, o Escritório Frei Tito de Alencar, que completou 22 anos, que a gente tem lutado muito para fortalecer institucionalmente. A gente termina o ano ampliando o Escritório. Fortalecemos as condições de trabalho dos advogados, ressaltando que são todos advogados e estagiários escolhidos em seleção pública. Não havia um edital específico para os estagiários e, agora, tivemos edital aberto. Há uma questão que, para nós é muito importante, é o fato de que o Escritório não é para um de atendimento individual. Ele atende a coletividade, a comunidade. São casos exemplares. É um escritório de assessoria jurídica popular.
Por isso, às vezes, um caso impacta dezenas de pessoas...
Hoje, por exemplo, o Escritório Frei Tito está com 175 casos que abrange 35 mil famílias. Este ano, tivemos 7 mil famílias impactadas pela ação do Escritório. Ao lado, também Comitê de Prevenção à Violência, que hoje é uma instância permanente, para produção de evidências voltadas para a prevenção de violência letal de 10 a 19 anos, que hoje é epidêmica. Acho que o grande ponto alto do Comitê foi a celebração de um acordo de cooperação técnica entre a Assembleia Legislativa do Ceará e o Ministério dos Direitos Humanos, onde o ministro Silvio de Almeida esteve conosco fechando esta parceria. Isso pra nós foi muito importante! Um acordo que vai durar 36 meses, onde a gente vai transferir quatro grandes produtos de mobilização nacional pela prevenção da violência, de uma política nacional para atendimento às vítimas de violência, uma minuta de decreto nacional para atendimento às vítimas de violência e um diagnóstico sobre a letalidade juvenil, em especial na faixa de 10 a 19 anos.
Qual a expectativa para a atuação em 2024? As áreas que o mandato deve incidir?
Acho que a polarização na sociedade brasileira tende a continuar e se acirrar, por causa da eleição municipal. O campo reacionário antidemocrático está marcando o dia 8 de janeiro como celebração da tentativa de golpe. Isso é absurdo! A gente deve continuar nossa defesa democrática e fortalecer cada vez mais a sociedade e movimento popular. Não vai haver vitória do campo democrático nos gabinetes, em articulações governamentais. Os governos são muito frágeis para dar conta sem sociedade. Tem que ter sociedade. Acho que, em 2024, devemos seguir na luta pela reconstrução das políticas sociais. Eu destacaria as lutas pela segurança alimentar, pela assistência social e pela prevenção à violência e a agenda econômica — a agenda do emprego e retomada da atividade econômica. Serão pontos muitos fortes.