Quem escuta a voz calma e tranquila de Antônia Araújo não imagina a potência que ela guarda dentro de si. Ouvidora externa da Defensoria Pública do Estado do Ceará desde 2019, ela possui uma extensa trajetória de militância e participação nos movimentos sociais.
Natural de Altaneira, região do Cariri, Antônia é integrante do Movimento Negro Unificado (MNU) e tem participação destacada nas lutas em defesa das mulheres. Atuou no Conselho de Direitos das Mulheres no Crato; integrou a equipe da Casa Lilás, entidade comprometida com a defesa das mulheres em situação de violência; e coordenou o projeto “Novo Mundo é Possível – Mulheres pelo Fim da Violência”, criado em decorrência de altos índices de violência sexual no Parque Santana, em Fortaleza.
Antônia é a quarta entrevistada da série especial produzida pelo mandato É Tempo de Resistência que celebra o 8 de março. Para ela, é importante a compreensão de que a luta das mulheres se dá em torno de agendas amplas. "Não interessa ao movimento falar por todas as mulheres. Pelo contrário, esses são espaços plurais que se mantém em constante assimilação de outras mulheres que venham a contribuir com as bandeiras de lei e com a ampla defesa da vida, dos direitos e da autonomia", ela defende. (Texto e arte: Evelyn Barreto)
É TEMPO DE RESISTÊNCIA - Como você percebeu que suas ações estavam inseridas na militância? ANTÔNIA - Comecei minha militância cedo junto à juventude de trabalhadores/as rurais. Àquela altura não conseguia dimensionar o impacto nas condições de vida dos trabalhadores. Entretanto, à medida que as formações iam acontecendo, fui encontrando o enlace entre uma atuação militante, numa agenda. A brevíssima passagem pelo movimento sindical rural me fez perceber a opressão das mulheres e começo minha militância junto às mulheres do Cariri, seguindo com uma agenda de defesa da autonomia das mulheres.
É TEMPO DE RESISTÊNCIA - Que fatores são mais importantes para defesa de uma luta? ANTÔNIA - Acredito que ter uma agenda condizente com as reais necessidades e interesses do povo. O entendimento dos impactos de uma agenda negativa sobre a população impulsiona os militantes à luta em defesa de determinada bandeira de luta.
É TEMPO DE RESISTÊNCIA - Enfrentamos um ano de pandemia, de negação de direitos e de um governo que se retroalimenta do cenário de calamidade. Nesse contexto, o que precisamos destacar no 8M deste ano e de outros que estão por vir? ANTÔNIA - Num ano de grandes perdas, de dolorosas entregas de entes queridos ao plano espiritual, é salutar que lutemos pela vida, e vida plena. Por isso que as mulheres elegeram a defesa de vacinas e do auxílio emergencial. As mulheres querem viver, não podemos naturalizar o extermínio que está acontecendo, sobretudo do povo negro. O povo há um tempo vem sofrendo com a ação do Estado que faz uma evidente escolha por uma agenda de repressão, de extermínio e encarceramento de jovens negros, das populações mais vulnerabilizadas.
É TEMPO DE RESISTÊNCIA - Como você avalia a participação de mulheres em movimentos de defesa de direitos e garantias? ANTÔNIA - Há anos as mulheres se organizam com uma agenda firme cobrando mais direitos e autonomia. A luta das mulheres no mundo e no Brasil compõe uma agenda ampla, pois a realidade das mulheres também é muito díspar. Na realidade das mulheres negras, por exemplo, alguns avanços são recentes, a partir do momento em que essas mulheres começaram a se posicionar e cobrar as ações que cruzem as questões com a realidade de vida delas, quando se cruzam as diversas situações da vida com o racismo enquanto estruturante da sociedade. Não interessa ao movimento falar por todas as mulheres, pelo contrário, esses são espaços plurais que se mantém em constante assimilação de outras mulheres que venham a contribuir com as bandeiras de lei e com a ampla defesa da vida, dos direitos e autonomia das mulheres.
É TEMPO DE RESISTÊNCIA - E para as que não estão inseridas, como convidá-las a participar desses movimentos? ANTÔNIA - A necessidade de incluir mais mulheres ao movimento ou movimentos de mulheres é premente. O convite à participação é sempre feito em todos os momentos, seja por ocasião de datas alusivas ao calendário feminista, seja no cotidiano das atuações militantes. O convite sempre é feito para que se engajem, tomem as vozes, falem por si, para evitar os silenciamentos e as violências que vimos ocorrer contra nós mulheres. Um chamado às mulheres é: nos unamos pois o peso da misoginia é muito grande sobre os ombros de uma só mulher, mas juntas suportamos e, mais que isso, mudamos a vida das mulheres e o mundo.