Thelma, Ana Amélia, Vanesca, Eliane, Edilene, Alessandra e Aparecida. Sete mulheres que foram vítimas de crimes violentos nas cidades de Barbalha, Juazeiro do Norte, Crato, Missão Velha, Brejo Santo e Araripe, há 20 anos. Sete nomes que ecoam na justiça caririense e aguardam resolução dos seus crimes. Alguns dos homicídios, considerados “queima de arquivo”, aconteceram em decorrência do conhecimento, por parte das vítimas, das atividades de um “escritório do crime” na região.
O "escritório" foi uma organização criminosa que executava roubos a bancos, carros-fortes, cargas, pistolagem e extermínio por encomenda. O empresário Sérgio Brasil Rolim, comandante da organização, foi condenado a 118 anos de prisão por homicídios e estupros. Há crimes que permanecem sem desfecho e sem julgamento. Resgatando a memória dessas mulheres, o deputado estadual Renato Roseno, em seu pronunciamento durante sessão plenária da Assembleia Legislativa realizada na última quinta-feira, 17, destacou a situação dos processos e cobrou agilidade da Justiça.
“Há 20 anos, a indignação, mas, sobretudo, o clamor de justiça, não só atravessam o Cariri, no passado e hoje, mas também todo o Estado do Ceará e o Brasil. Todo assassinato de mulheres guarda em si um componente patriarcal e machista evidente que se inicia na execução, na morte física daquela mulher, mas que continua com o processo de naturalização dessa morte", destacou o parlamentar.
Segundo Renato, há uma tendência de se tentar justificar essas mortes pela conduta da vítima. "Assim aconteceu aqui no Ceará. Estas mulheres perderam suas vidas, violenta e covardemente, e ainda têm de passar por um linchamento moral porque a autoridade policial, no passado e hoje, assume um discurso de que elas foram mortas porque estariam envolvidas com o Escritório do Crime. Nada justifica o assassinato, nada justifica o feminicídio”, reivindicou o deputado durante sua fala na tribuna.
Para Íris Tavares, historiadora, educadora e coordenadora do Projeto Paulo Freira, os últimos 20 anos podem ser narrados a partir de um recorte perverso em que o "escritório do crime" se especializa no extermínio de mulheres no Cariri. “O passado e o presente representam uma linha tênue do tempo pintado de sangue pelos trágicos assassinatos, causando muita dor e sofrimento nas famílias", destaca Íris.
"Estamos falando de mães, filhas e irmãs, trabalhadoras, jovens que tiveram suas vidas e suas histórias arrancadas de forma brutal e covarde. Nos perguntamos, até quando? Enquanto a justiça andar de mãos dadas com a impunidade, nós mulheres do movimento e familiares das vítimas narramos a nossa história e escrevemos a memória e/ou memorial daquelas que tiveram seus olhos fechados pela violência. Não calaremos!”, reforça.
No último dia 14 de junho, o Movimento de Mulheres do Cariri e diversas instituições, inclusive o Mandato É Tempo de Resistência, do deputado Renato Roseno, assinaram uma carta aberta à sociedade repudiando a criminalização das vítimas da organização criminosa, que encomendou a morte violenta das mulheres.
O documento repudia os discursos dos homens que, ainda hoje, colocam as mulheres assassinadas como culpadas pelo ocorrido. “O modus operandi desse sistema de escravidão paga se materializa em diversas formas. Uma delas é o fato de que os homens continuam contando a nossa história sob a ótica machista numa dimensão cruel do ódio ao feminino, assim é a misoginia impregnada na cultura de diversas sociedades, por meio de comportamentos agressivos, depreciações, violência sexual, objetificação do corpo feminino e, finalmente, a morte de mulheres (o feminicídio)”, diz a carta.
Violência contra mulheres
O assassinato das sete mulheres completou 20 anos, mas o cenário em relação à violência contra a mulher, no entanto, não mudou. O Ceará é o sétimo colocado no país com mais denúncias do gênero. Em 2020, 336 mulheres foram assassinadas, de acordo com a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS). No mesmo ano, 19 mulheres trans foram vítimas de homicídios no Estado. Dados oficiais da SSPDS apontam a ocorrência de 27 feminicídios, enquanto a Rede de Observatórios da Segurança monitorou 47. A diferença dos dados evidencia que a subnotificação permanece sendo uma realidade.
O trabalho da Frente de Mulheres do Cariri (FMC) tem sido, desde o início da pandemia, um respiro para diversas famílias, especialmente aquelas identificadas como suscetíveis ou já vítimas de violência doméstica. Verônica Izidório, integrante da FMC, relata que a subnotificação dos casos de violência contra mulheres era uma preocupação desde o começo da crise sanitária do coronavírus.
“A pandemia alastrou os casos de violência contra as mulheres, especialmente aqui no Cariri. Ainda em abril do ano passado, iniciamos tratativas e articulações para definir uma estratégia de comunicação que pudesse chegar às mulheres que não conseguiriam chegar às delegacias para denunciar. No entanto, esse acesso ainda é muito aquém em relação à realidade de muitas mulheres, pela falta de acesso à internet e porque o agressor estava sempre em casa”, conta.
Essa tem sido uma trajetória ferrenha do movimento organizado de mulheres da região e a discussão sobre o assassinato das sete mulheres pelo Escritório do Crime ainda causa indignação. “A gente vem atuando no combate à violência contra mulheres aqui no Cariri, tentando fortalecer e articular políticas públicas em favor das mulheres. No entanto, ainda nos deparamos com mais um tipo de violência, como essa da culpabilização das mulheres vitimadas pelo Escritório do Crime. O caso aconteceu há 20 anos e ainda hoje temos de combater falas machistas, sexistas e misóginas que associam as vítimas à organização criminosa. É triste, lamentável e revoltante e não permitiremos. As memórias dessas mulheres devem ser respeitadas!”, exige Verônica. (Texto: Evelyn Barreto / Foto: Marcelo Camargo - EBC)
[+] SAIBA MAIS
A violência contra mulheres pode ser percebida de diferentes formatos. Geralmente, a violência física é a última de tantas outras que podem ser vivenciadas no formatos de ofensas, manipulações e abuso psicológico.
- Verbal: quando há xingamentos, gritos;
- Física: quando há lesão corporal
- Sexual: quando o agressor força sexualmente a vítima.
- Psicológica: geralmente envolve a violência verbal. Inclui xingamentos, calúnias, injúrias e manipulação.
- Patrimonial: quando o agressor controla as finanças da mulher, não permitindo que ela trabalhe, não tenha acesso ao seu salário e prejudique financeiramente a mulher.
Quando houver a violência física, é importante denunciar o mais rápido possível, para que haja prisão em flagrante e o agressor apreendido e levado até uma delegacia. Nesse contexto, o número 190 deve ser acionado e isso pode ser feito pela vítima, vizinhos ou parentes. Caso a violência seja de outra forma (psicológica, sexual, patrimonial, emocional), essa vítima deve buscar auxílio na rede de apoio, como a Casa da Mulher Brasileira, em Fortaleza. Para os outros municípios do Estado, e que não contam com a estrutura da Casa, é importante ligar para a Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência, no 180.
Serviço:
Casa da Mulher Brasileira do Ceará R. Tabuleiro do Norte, sn - Couto Fernandes, Fortaleza - CE, 60442-040 Telefone: (85) 3108-2999
Central de Atendimento à Mulher Telefone: 180