A forma como cada país lida com a crise gerada pelo coronavírus fará toda a diferença ao final desse difícil período. Terão menos riquezas e mais miséria os países cujos governos não ampliaram despesas, sobretudo as sociais, e escolheram a medíocre estratégia de continuar reduzindo direitos e desonerando o setor produtivo, mantendo intocados os pagamentos dos serviços da dívida. E o Brasil, infelizmente, ao contrário da maioria dos países, está adotando essa opção, com efeitos terríveis para sua economia e para sua população.
Essa é a conclusão de um estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) divulgado na última segunda-feira (23). A pesquisa fez um comparativo das medidas adotadas por vários países para conter os efeitos econômicos da pandemia do coronavírus. Segundo o levantamento, que considerou as políticas adotadas em nove países da Europa e da América do Norte, além das estratégias implementadas pela União Europeia, na maioria dos locais estudados, está cabendo ao Estado a busca pela minimização dos impactos decorrentes da crise.
"Como na crise de 2008, os Estados estão abrindo 'as torneiras fiscais' para enfrentar a pandemia. São quase inexistentes iniciativas privadas de socorro econômico, em especial de setores líquidos na economia, como o financeiro, as grandes companhias de comunicação e as gigantes do mundo virtual", aponta o estudo. "A contradição neoliberal de necessitar da intervenção do Estado na crise e abandonar, mesmo que momentaneamente, o fetiche da alocação eficiente dos recursos pelo mercado traz um diferencial importante nessas ações anticíclicas implementadas pelos países".
Segundo o DIEESE, no caso brasileiro, o Ministério da Economia do governo Bolsonaro está mais preocupado, por exemplo, em fazer avançar nova (a terceira) reforma trabalhista, reduzindo ainda mais os salários e benefícios para aliviar o caixa das empresas, em vez de injetar recursos para tratar da anemia enfrentada pela economia brasileira nos últimos anos. Este foi o tom das primeiras medidas anunciadas, em 16 de março, e persiste na recente Medida Provisória 927, anunciada no início desta semana. "O Estado intervém principalmente como mediador de ações entre os atores sociais e com reduzido papel de protagonista na mobilização de fundos públicos para o enfrentamento da crise".
O DIEESE é uma entidade criada e mantida pelo movimento sindical brasileiro. Foi fundado em 1955, com o objetivo de desenvolver pesquisas que subsidiassem as demandas dos trabalhadores. Atualmente, são cerca de 700 entidades associadas, entre sindicatos, federações, confederações de trabalhadores e centrais sindicais. A íntegra do estudo pode ser acessada aqui
Abaixo, um resumo das políticas adotadas pelos países pesquisados:
União Europeia
A União Europeia decidiu suspender temporariamente as regras de disciplina orçamentária obrigatórias, entre elas a que define que o déficit público dos países membros do bloco deve permanecer abaixo de 3% do PIB.
França
O governo francês anunciou um plano de 45 bilhões de euros para, entre outras ações, ajudar as empresas em dificuldades, se necessário, inclusive, nacionalizando organizações, e manter o pagamento dos salários dos trabalhadores. Além dessa medida, criou um fundo solidário de 1 bilhão de euros para micro e pequenas empresas e trabalhadores por conta própria que tenham menos de 1 milhão de faturamento e que tenham perdido, entre março de 2019 e março de 2020, 70% do faturamento. Outra medida adotada foi a suspensão da cobrança de impostos, contas de luz, água e gás e de aluguéis. Posteriormente, o governo francês ampliou as medidas, disponibilizando cerca de 300 bilhões de euros para empréstimos bancários e ampliação do plano de “desemprego parcial” (programa de suspensão de contrato de trabalho na França, com pagamento de parte do salário do empregado pelo Estado e oferta de formação profissional).
Holanda
O governo adotou um programa que prevê o pagamento de até 90% dos salários dos trabalhadores, durante três meses, nas empresas que apresentarem perda de pelo menos 20% da receita. Para serem elegíveis, as empresas não devem demitir nenhum funcionário por razões econômicas durante o período coberto pelo subsídio. As medidas também preveem assistência adicional aos trabalhadores autônomos, entre outras.
Grã-Bretanha
O governo britânico anunciou um pacote de estímulo da economia que prevê recursos da ordem de 38 bilhões de libras (cerca de R$ 223 bilhões) para garantir o pagamento de 80% dos salários dos trabalhadores ingleses a partir de março e ao longo de três meses. É o terceiro pacote apresentado pelo governo desde o início da pandemia. Juntos, totalizam cerca de 418 bilhões de libras, ou R$ 2,5 trilhões.
Bélgica
Na região de Flandres, na Bélgica, o governo local anunciou um fundo de reserva de 100 milhões de euros de socorro às empresas. E cada estabelecimento comercial que for obrigado a interromper as atividades poderá se beneficiar de uma indenização de 4.000 euros.
Alemanha
O governo de Angelas Merkel anunciou empréstimos “ilimitados” às empresas afetadas pela pandemia, além de incentivos fiscais. De início, o governo alemão disponibilizará mais de 500 bilhões de euros em crédito para assegurar a liquidez das empresas. Não está descartada a adoção de programas de recuperação e nacionalização. Outras medidas estão em estudo e podem ser indicadas em breve. Por exemplo, o governo vai propor que pessoas que moram em casas alugadas não possam ser despejadas por falta de pagamento dos alugueis nos próximos seis meses.
Itália
País mais afetado pela pandemia, a Itália prevê a nacionalização da companhia aérea Alitalia, que enfrenta grandes dificuldades financeiras há muitos anos. Também prevê um fundo de 600 milhões de euros para o setor aéreo nacional.
Portugal
O governo português adotou diversas ações, como: a) linha de crédito de 200 milhões de euros para as empresas; b) linha de crédito de 60 milhões de euros para microempresas do setor de turismo; c) lay off simplificado –apoio de 2/3 das remunerações, com 70% do valor coberto pela Seguridade Social; d) bolsa de formação do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP); e) adoção de um regime excepcional e temporário de isenção de pagamento de contribuições à Seguridade Social, prorrogação de prazos de pagamentos de impostos e outras obrigações.
Espanha
Os espanhóis adotaram medidas de estatização temporária dos serviços privados de saúde para o combate da pandemia. Também exigem que empresas e pessoas que produzam ou possam produzir materiais como equipamentos de diagnóstico, máscaras, luvas e outros produtos médicos e farmacológicos informem às autoridades em 48 horas sobre essa capacidade. Os que não informarem correm riscos de sanções.
EUA
Os Estados Unidos planejam enviar recursos diretamente para as famílias, como parte de um pacote de estímulo à economia da ordem de US$ 850 bilhões. A medida prevista propõe doar mil dólares por família. Outras ações planejadas: a) conceder ajuda de US$ 50 bilhões de dólares ao setor aéreo e b) compra de dívidas corporativas de curto prazo das empresas pelo FED (banco central estadunidense).