O crescimento do número de conflitos fundiários, tanto em meio urbano quanto rural, assim como despejos judiciais e administrativos, evidenciados pelo período de pandemia de Covid-19, aliados ao déficit de 200 mil moradias na capital cearense, segundo dados oficiais da Prefeitura de Fortaleza, serviram de alerta para o deputado Renato Roseno (Psol).
Com esses dados em mente, o parlamentar apresentou o projeto de indicação 304/2021, que institui a Comissão Intersetorial de Mediação de Conflitos Fundiários Urbanos e Rurais do Ceará. Segundo ele, a proposta, em tramitação na Casa, contempla uma instância permanente, com objetivo de prevenir, antecipar e mediar esses conflitos. Criado pelo Executivo, o colegiado reuniria Legislativo, Judiciário, forças de segurança, movimentos sociais, política habitacional e a de reforma agrária.
“Em razão da crise econômica, tem crescido o número de conflitos fundiários, com reintegrações de posse e com risco de execuções violentas, seja no meio rural ou urbano. A gente sabe que o Brasil tem um crônico problema de moradia e também de concentração agrária, então se faz necessária a criação de uma comissão permanente para tratar desse assunto, enquanto não tivermos uma reforma urbana que permita moradia digna a todas as pessoas”, pontuou.
O parlamentar explica que, ao passo em que há um grande déficit habitacional em todo o Estado, com famílias vivendo situação de precariedade em ocupações irregulares, há também uma grande concentração fundiária. Para ele, na raiz dessa questão está o processo desigual de desenvolvimento urbano das cidades brasileiras caracterizado pela ausência ou ineficiência de políticas de provimento habitacional, por um planejamento urbano excludente e pela dificuldade de apropriação dos ganhos da urbanização por parte das populações de baixa renda.
Entre as atribuições que caberiam a esse colegiado permanente de mediação estariam a busca de soluções pacíficas para conflitos fundiários coletivos, que envolvam famílias de baixa renda ou grupos vulneráveis, buscando garantir o direito à moradia e os demais direitos humanos das pessoas envolvidas na situação de conflito; viabilizar canal de diálogo entre as partes envolvidas em conflitos fundiários urbanos e destas com o poder público com vistas a garantir solução habitacional adequada para as famílias afetadas; responder, nos termos da lei, ao Poder Judiciário e ao Ministério Público sobre questões relativas aos conflitos fundiários urbanos que estejam sob sua análise; estimular o diálogo e a ação articulada entre órgãos federais, estaduais e municipais com o objetivo de alcançar soluções pacíficas nos conflitos fundiários urbanos no Ceará, entre outras.
PANDEMIA E MORADIA
Roseno alerta que o estado de emergência em saúde desencadeado pela pandemia de Covid-19 e a crise econômica por ela gerada deram contornos dramáticos aos conflitos fundiários urbanos e rurais. “A ocorrência de elevado volume de despejos judiciais e administrativos durante o período de pandemia, momento em que uma das mais importantes recomendações de prevenção ao contágio é o isolamento social, representa uma grave crise humanitária que se agrava diariamente”, salienta.
Segundo levantamento realizado pelo Escritório de Direitos Humanos e Assessoria Jurídica Popular Frei Tito de Alencar (EFTA), da Assembleia Legislativa, a partir dos casos assessorados pelo escritório, de março de 2020 até maio de 2021, 1.545 famílias em situação de vulnerabilidade social estavam ameaçadas de despejo no estado do Ceará. O levantamento leva em consideração conflitos fundiários com repercussão coletiva em áreas urbanas e rurais do Estado.
O Conselho das Cidades, na Resolução 87, de 08 de dezembro de 2009, define o conflito fundiário como a disputa pela posse ou propriedade de imóvel urbano, bem como impacto de empreendimentos públicos e privados, envolvendo famílias de baixa renda ou grupos sociais vulneráveis que necessitem ou demandem a proteção do Estado na garantia do direito humano à moradia e à cidade.
A mesma resolução define como “fundamentais a estratégia da prevenção e mediação de conflitos fundiários como forma de efetivar o direito à moradia e à cidade”. Semelhante disposição é contida no Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3).
Para Renato Roseno, é essencial destacar que o direito à moradia digna tem status constitucional no ordenamento jurídico brasileiro (artigo 6º, caput da Constituição Federal de 1988) e é assegurado em normas de direito internacional que vinculam o Estado brasileiro, a exemplo do artigo 11 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Pidesc). (Texto: Agência de Notícias - AL / Foto: Divulgação)