O deputado estadual Renato Roseno (PSOL), presidente da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa, pediu providências sobre a reportagem do portal The Intercept Brasil a respeito de irregularidades em contratos de fornecimento de alimentação para as unidades prisionais cearenses. Em ofícios dirigidos ao Ministério Público Estadual, à Controladoria Geral do Estado e ao Tribunal de Contas do Estado, o parlamentar pede a investigação das denúncias e a responsabilização dos envolvidos.
"A matéria aponta diferença entre o número de kits alimentares contratados e a quantidade de presos, pagamento de kits relativos a unidades que ainda não estão em funcionamento, bem como sucessivas majorações nos valores contratuais e dispensa de licitação em condições muito questionáveis", afirma Renato. "A notícia também traz denúncias de familiares de ex-internos que relatam má qualidade da alimentação, com fornecimento de comida azeda e até mesmo crua ou mesmo a falta de comida que seria suprida até mesmo por papel higiênico molhado com creme dental".
De acordo com o parlamentar, o sistema de segurança e penitenciário cearense vem enfrentando séria crise desde janeiro de 2019, mesmo com a criação da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP). Segundo Renato, as denúncias que chegam à Comissão de Direitos Humanos da AL bem como matérias jornalísticas e relatórios produzidos por entidades ligadas à área carcerária evidenciam um "sistema em colapso", além de um "estado de coisas inconstitucional" já reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal.
"O que se verifica é uma situação rotineira e institucionalizada de violação de direitos humanos. A precariedade da situação alimentar e nutricional, assim como a carência no acesso à água potável nas unidades prisionais do Estado faz parte dessa realidade", afirma o deputado. Em novembro de 2019, o Relatório de Sistematização de Violações de Direitos Humanos no Sistema Penitenciário do Ceará assinado por 27 organizações da sociedade civil em conjunto com a Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Ceará e enviado ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos denunciava como a carência de acesso à alimentação saudável e água potável está ligado ao problema da superlotação nas unidades.
Irregularidade nos contratos
Segundo a matéria divulgada pelo The Intercept, Idalina Sampaio Muniz Gomes de Mattos, proprietária da empresa ISM Gomes de Mattos e definida pelo portal como "A rainha das quentinhas", conquistou quase metade dos contratos de refeições para presídios cearenses nos últimos 12 anos, se tornando a principal fornecedora do governo estadual no ramo e recebendo por quentinhas que não precisa entregar.
"(A empresa) atende 14 penitenciárias do estado. Tem sido um bom negócio. Um exemplo é o contrato 085/2019, assinado sem licitação em dezembro e encerrado no fim de junho. Por R$ 28,5 milhões, o governo comprou quatro refeições diárias por seis meses para cerca de 13 mil detentos e, aproximadamente, 1 mil servidores de oito unidades prisionais do estado", diz a reportagem, assinada pela jornalista Nayara Felizardo. "No entanto, em abril, segundo dados da Secretaria de Administração Penitenciária, havia menos de 9 mil presos nas unidades prisionais que constavam no convênio".
A diferença identificada é de 16 mil refeições diárias. Ainda assim, a ISM segue recebendo pelo valor total do contrato com o governo Camilo Santana (PT). Além disso, duas prisões para as quais Mattos forneceria comida neste contrato e que seriam inauguradas em janeiro deste ano, a Unidade Provisória Regional e uma prisão de segurança máxima, inclusive, ainda seguem em construção e não receberam nenhum preso. Outra irregularidade são refeições duplicadas para os mesmos presídios. Entre 2013 e 2014, as três Casas de Privação Provisória de Liberdade, de Itaitinga, na região metropolitana de Fortaleza, constavam ao mesmo tempo em dois contratos de fornecimento de quentinhas.
Nos ofícios, Renato lembra que Idalina e César Wagner Madeira Coelho de Alencar, sócio-majoritário da empresa CWM Coelho de Alencar ME, realizaram grande doações para a última campanha do Governador do Estado, em 2018. "Tendo em vista que suas empresas possuírem contratos milionários com o governo estadual realizados em 2019 com dispensa de licitação, torna-se ainda mais preeminente a investigação da relação desenvolvida entre a administração pública e esses empresários", defende Renato. (Texto: Felipe Araújo / Foto: Divulgação)