Alguns países atingidos pela pandemia do Coronavírus estão subordinando o setor privado da saúde às políticas públicas, enquanto durar a crise sanitária. É o caso, por exemplo, da Espanha, que estatizou provisória e excepcionalmente todos os hospitais privados; e da Irlanda, onde hospitais particulares foram abertos para atender o público em geral. “Na resposta à crise do Covid-19, não pode haver espaço para público versus privado”, afirmou o ministro da Saúde irlandês Simon Harris durante entrevista coletiva para anunciar a medida.
No Brasil, médicos, pesquisadores e parlamentares estão defendendo e apresentando iniciativas semelhantes. Em comum, as propostas prevêem a regulamentação de uma fila única de leitos de internação e de UTI para atendimento de casos graves de coronavírus, independentemente de os pacientes serem usuários da rede pública ou privada. No Ceará, o deputado estadual Renato Roseno (PSOL) apresentou um projeto de lei que estipula a reserva de leitos no limite de até 50% nos hospitais privados para pacientes de Covid-19, assim como fila única para internação compulsória.
De acordo com o projeto, que aguarda o início da tramitação na Assembleia Legislativa, os hospitais privados cearenses ficam obrigados a reservar até metade dos leitos de UTI para pacientes de COVID- 19 oriundos do SUS, sendo a internação obrigatória mediante termo de encaminhamento das autoridades sanitárias do estado do Ceará. Também fica instituída uma fila única de leitos de internação e de UTI para atendimento de casos graves de coronavírus, tanto para pacientes da rede pública quanto da rede privada.
"A presente proposta possibilita que o poder público possa contar com mais leitos disponíveis, sejam eles privados ou públicos, otimizando assim sua utilização por todos os pacientes que deles necessitem", explica o parlamentar. "A legalidade da fila única excepcional e provisória, enquanto perdura a pandemia, está prevista na Constituição mas também nos decretos de calamidade, inclusive de estados e municípios", completa.
Em âmbito nacional, o Grupo de Estudos Sobre Planos de Saúde, ligado à USP; e do Grupo de Pesquisa e Documentação sobre Empresariamento na Saúde, da UFRJ, apresentaram proposta de criação de um Sistema Nacional de Vagas para Casos Graves de Coronavírus, que poderia funcionar nos moldes do Sistema Nacional de Transplantes. Na terça-feira passada, o PSOL pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) autorização para que o Sistema Único de Saúde (SUS) controle os leitos de UTI da rede privada de saúde enquanto durar a pandemia do novo coronavírus.
PEDIDO AO STF - O partido propõe que o SUS administre as vagas das redes pública e privada e criar uma fila única para acesso aos locais. De acordo com o partido, em meio à pandemia do Coronavírus, "esforços devem ser feitos no sentido de tornar o acesso à rede hospitalar mais equânime no País, independentemente da fonte de pagamento usada pelos pacientes".
Dados do Ministério da Saúde mostram que o país tem 55.101 leitos em Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Metade desses leitos está na rede pública e a outra metade, na rede privada. Mas há uma grave desproporção nos números: os da rede pública, de acordo com o ministério, atendem a 75% da população e os da rede privada, aos outros 25%.
Logo no início do registro de casos no Brasil, um grupo de profissionais da saúde lançou a campanha “Leitos para Todos”. A iniciativa aponta a urgência em promover medidas de universalização da saúde durante a pandemia do coronavírus para garantir o tratamento adequado à população. De acordo com a assistente social e sanitarista Amanda Frazão, uma das idealizadoras da campanha, o Sistema Único de Saúde (SUS) pode ser levado ao colapso em poucas semanas pois não há a capacidade para absorver os casos graves da covid-19 previstos para o Brasil.
Ela explica que a campanha busca sensibilizar a sociedade para a gravidade da situação e propor medidas, como o gerenciamento de leitos privados pelo poder público, para garantir que o maior número de doentes tenha acesso ao atendimento médico. A campanha começou primeiro no estado do Rio de Janeiro e já está nas redes sociais. A iniciativa também destaca a urgência para que os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) estejam disponíveis para todos os profissionais de saúde que atuam no combate ao coronavírus.
LEGISLAÇÃO - A possibilidade de gestão pública dos leitos privados, independentemente da sua contratação prévia, está assegurada pelo artigo 5o da Constituição, que determina que, “no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano”.
Já a Lei Orgânica da Saúde (Lei no 8.080/1990) regula a aplicação desse instituto prevendo que, “para atendimento de necessidades coletivas, urgentes e transitórias, decorrentes de situações de perigo iminente, de calamidade pública ou de irrupção de epidemias, a autoridade competente da esfera administrativa correspondente poderá requisitar bens e serviços, tanto de pessoas naturais como de jurídicas, sendo-lhes assegurada justa indenização”.
"Em todos os dispositivos, há menção expressa a situações de 'iminente perigo público', completamente compatível com o momento atual em que impõe-se a preservação da vida de todos", afirma Renato Roseno. (Texto: Felipe Araújo / Foto: Agência Brasil)