A ameaça dos “desertos verdes” ronda o Ceará. Na semana passada, o plenário da Assembleia Legislativa aprovou a Política Agrícola Estadual de Florestas Plantadas e seus Produtos (Projeto de Lei 152/22). Trata-se de uma agenda importante, que deveria ser voltada à promoção do desenvolvimento sustentável e à definição de arranjos produtivos de base florestal em nosso estado. A matéria aprovada, no entanto, deixou em alerta ambientalistas e parlamentares.
Entre outros pontos, o projeto de lei flexibiliza o licenciamento ambiental desses empreendimentos, avança sobre competências ambientais da União, utiliza conceitos da política ambiental de forma equivocada e coloca para a Secretaria do Desenvolvimento Econômico e Trabalho (Sedet) o papel de executor da política, sem participação da Secretaria do Meio Ambiente ou de outros órgãos com participação da sociedade civil.
Durante a sessão que aprovou o texto, o deputado estadual Renato Roseno (PSOL) denunciou as irregularidades em duas emendas apresentadas pela liderança do governo na Casa e que flexibilizam os procedimentos de licenciamento ambiental para empreedimentos florestais. Segundo parlamentar, da forma como foi aprovado, o texto traz ameaças concretas aos ecossistemas cearenses. Em particular, com a implantação de mata exótica em áreas de mata ativa.
“A depender da espécie, isso (a plantação da floresta) pode acontecer sem licenciamento ambiental”, destacou Renato. “Essa é uma matéria complexa que deveria ser melhor discutida com a sociedade cearense. Por essa legislação, vai ser possível – porque nenhum tipo de resolução por decreto vai poder conter isso – supressão de mata nativa para plantação de mata exótica com isenção de licenciamento”.
Essa supressão da mata nativa cria o que os especialistas chamam de “desertos verdes”, áreas de plantio formadas por apenas uma única cultura, introduzida pelo ser humano. Um “deserto verde” pode ser formado por árvores de espécies exóticas ou plantações de commodities – caso da soja ou do eucalipto. Em muitos casos, empresas alegam plantar florestas como método de recuperação da biodversidade, mas, na verdade, estão criando essas áreas “desérticas”, em que a monocultura está voltada apenas para a geração de lucro.
Os impactos ambientais desse processo de “desertificação verde” passam pela perda da biodiversidade, erosão e deterioração do solo, mudanças nos ecossistemas e alterações nos balanços hídricos locais. Para Renato, é possível fazer florestas plantadas, que podem ter um efeito positivo no resgate da biodiversidade e na redução dos gases do efeito estufa. Isso, no entanto, tem de ser feito observando os critérios da legislação ambiental e restringindo o avanço dos “desertos verdes”.
“É possível, sim, fazer floresta plantada, que tem repercussão positiva na recuperação de áreas degradadas e também na redução dos gases do efeito estufa”, defende o deputado. “Mas isso tem de ser feito dentro do regramento. O que foi aprovado na Assembleia foi verdadeiramente um sistema paralelo de licenciamento, que atropela várias normas ambientais”.
Roseno conseguiu aprovar seis emendas à matéria, reafirmando as determinações das legislações federais e contemplando pontos como a inclusão, entre os objetivos da lei, da recuperação de áreas ambientalmente degradadas ou desertificadas; a inclusão, entre as definições trazidas pelo texto, dos conceitos de “equilíbrio biológico” e “sucessão ecológica”; e a presença da Secretaria de Meio Ambiente na elaboração do Plano Estadual de Desenvolvimento de Florestas Plantadas .
Apesar da aprovação das emendas, o parlamentar pretende questionar judicialmente o texto final aprovado na Assembleia, que aguarda sanção da governadora Izolda Cela. O objetivo, segundo Renato, é denunciar a inconstitucionalidade de vários pontos do projeto.
[+] SAIBA MAIS Confira aqui a íntegra do projeto de lei aprovado e as emendas apresentadas por Renato Roseno.