O Ceará não pode seguir oferecendo isenção tributária para agrotóxicos; sobretudo, neste momento de grave crise social e econômica decorrente da pandemia do coronavírus. O alerta é do deputado estadual Renato Roseno (PSOL), que avalia que esse tipo de incentivo é algo questionável sobre todos os pontos de vista: econômico, ambiental, sanitário e ético. "Nosso mandato vem mantendo uma luta muito grande pela tributação de alguns produtos. E eu não consigo não me indignar com a isenção de IPI e de ICMS para agrotóxicos", afirmou o parlamentar.
As críticas de Renato foram feitas durante audiência pública da Comissão de Orçamento, Finanças e Tributação, realizada na tarde da última segunda-feira (1) e que contou com a presença da titular da Secretaria da Fazenda do Ceará (Sefaz), Fernanda Pacobahyba. Segundo parlamentar, esse incentivo aos agrotóxicos encampado pelo governo estadual não apenas estimula a prática abusiva do seu consumo - por tornar o valor mais atraente para quem os utiliza -, mas ainda diminui a arrecadação do Estado, além de sobrecarregar o SUS em função do aumento de casos de intoxicação.
Mesmo diante de inúmeros indícios maléficos dos agrotóxicos, os secretários de fazenda dos estados e da União prorrogam desde 1997, o chamado Convênio 100, que concede benefício fiscal do ICMS, reduzindo a base de cálculo dos produtos agrotóxicos em 60% sobre a alíquota. Com a medida, fica a critério de cada Estado conceder maior benefício que o firmado pela União. Entretanto, a concessão desse tipo de benefício a um produto reconhecidamente poluidor sempre foi ponto de contestação por parte de ambientalistas, sanitaristas e profissionais da área tributária.
Durante a reunião, a titular da SEFAZ afirmou que vem sofrendo uma pressão enorme do agronegócio por conta do Convênio 100. Segundo Fernanda, os estados do Ceará e de Sergipe foram os dois únicos a levantar a discussão dentro do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). "Há 24 anos, o convênio era prorrogado da forma como ele foi aprovado inicialmente, nunca houve qualquer tipo de discussão para se pensar numa outra via", explicou a secretária, que disse aguardar a manifestação do Supremo em relação à constitucionalidade das isenções fiscais para os agrotóxicos.
A secretária adiantou, no entanto, que não vai mais aceitar nenhuma prorrogração do convênio nos termos atuais. "Estamos em negociação. Grande parte da indústria está ociosa e passando por dificuldades; e o Brasil dá benefício fiscal para o agrotóxico que vem do exterior e tributa o defensivo produzido aqui no Brasil. Não aceitaremos mais", afirmou Fernanda. "O Convênio 100 era um totem, era imexível, mas acho que vamos conseguir avançar. Talvez não seja um avanço do tamanho que eu quero como cidadã e como jurista, mas vamos conseguir avançar".
RENDA BÁSICA - "Estamos num momento em que os super ricos ficaram mais ricos, em que os bilionários ficaram ainda mais bilionários, mas em que houve também um crescimento muito grande da extrema pobreza. E não estamos vendo no horizonte do país uma reforma tributária progressiva (que tribute mais quem tem mais rendimentos)", comentou Renato. "Precisamos, portanto, discutir a orientação das políticas tributárias e pensar em instrumento de arrecadação que poderiam ser progressivos".
O deputado é autor de um projeto de indicação que tramita da Assembleia Legislativa e que institui no Ceará um programa de renda básica para famílias em vulnerabilidade social. De acordo com a proposta, o benefício mensal será no valor de R$ 350 e será pago prioritariamente a famílias chefiadas por mulheres com filhos até seis anos e beneficiárias do Programa Bolsa Família. No Ceará, segundo registros do CadÚnico, são 117.811 famílias com esse perfil.
"Diante do aumento galopante da pobreza no Brasil, nós temos defendido muito os programas de transferência de renda direta, pela enorme repercussão social desse tipo de mecanismo", destacou Renato. "Nós somos a geração, a exemplo da geração que passou pela crise de 1929, que mais enfrentou uma depressão econômica de longo curso. Não vamos sair num curto prazo desse cenário de crise. As pessoas falam que haveria uma curva em 'V', mas não haverá isso. Nós estamos vivendo algo muito mais longo. Me parece, então, que é fundamental discutir essas políticas tributárias e de transferência de renda".
Fernanda disse concordar com a avaliação do parlamentar no sentido de que a pandemia tornou mais evidente o tamanho da desigualdade no País. "Nós precisamos ter políticas claras e efetivas que impactem a vida dessas pessoas e que transfiram renda, sim", afirmou a secretária. "No Brasil, a tributação do consumo é pessima. Nós precisamos focar no imposto sobre a renda, eventualmente numa tributação sobre grandes fortunas, para que a gente possa equilibrar um pouco mais essas distorções. No consumo, a guerra fiscal não acabou. Pelo contrário, ela se tornou ainda pior".
RECURSOS FEDERAIS - Durante a audiência, Fernanda Pacobahyba informou também que o estado do Ceará recebeu apenas R$ 2,1 bilhões do Governo Federal para enfrentamento da pandemia da Covid-19. O presidente da República, Jair Bolsonaro, afirmou que o Governo Federal teria transferido R$ 42 bilhões para o Ceará em 2020 com essa finalidade, o que foi desmentido pela secretária. Fernanda explicou que, na verdade, os valores recebidos foram de apenas R$ 2 bilhões, em transferências correntes - que são todos os valores transferidos pelo Governo Federal aos Estados, não por favor, mas por determinação constitucional.
“Por exemplo, uma parte do IPI (Imposto sobre os Produtos Industrializados) arrecadado tem repartição obrigatória para os estados, assim como nós, quando arrecadamos R$ 10 de IPVA, enviamos R$ 5 para os municípios. Isso não é um favor que o estado do Ceará está fazendo para os municípios, está escrito na Constituição que a gente precisa repartir esses impostos. Então essas transferências correntes não são benesses”, enfatizou.
Em relação às transferências para enfrentamento da pandemia, Fernanda informou que foram recebidos R$ 2,136 bilhões do Governo Federal, dos quais R$ 499 milhões estão previstos na Medida Provisória (MP) 938; R$ 919 milhões na Lei Complementar 173 (ICMS); R$ 300 milhões também da LC 173 (Saúde e Assistência Social); e R$ 418 milhões no qual estão inclusas emendas de parlamentares, transferências do SUS, entre outras verbas.
"A diferença entre R$ 2 bilhões e R$ 42 bilhões é estratosférica. Não se trata de interpretação matemática, se trata de má fé por parte do Governo Federal", avaliou Renato, que pediu que a SEFAZ pudesse divulgar mais amplamente esses dados para esclarecer a população. "A fala do presidente foi muito intencionalmente ampliada, o que gera no cidadão a ideia de que os problemas seriam não de falta de dinheiro, mas de falta de gestão do recurso. É uma estratégia duplamente falsa porque mente na informação e faz crer que o governo federal não tem responsabilidade pelo andamento da crise", reforçou Renato. (Texto: Felipe Araújo, com informações da ASCOM-AL / Foto: ASCOM-AL)