Hoje é um grande dia: os covardes não venceram e ainda estamos aqui.

25/03/25 12:00

Hoje é um grande dia. Um grande dia para um país que se acostumou à impunidade dos atos violentos de uma camada que sempre fez as leis a seu serviço e que nunca teve vergonha inclusive de quebrar a legalidade e quaisquer ritos democráticos quando assim lhes parecia devido. Hoje é um grande dia para a história.

Não responsabilizamos os que assassinaram indígenas nem os que sequestraram e escravizaram milhões de seres humanos. Não responsabilizamos nem reparamos os horrores do projeto colonial. Constituímo-nos uma sociedade em que a violência era a linguagem dominante contra os de baixo e contra a justiça social. Um grande dia para a Memória, a Verdade e a Justiça. Lembremos que num intervalo de 50 anos (1937 a 1985), vivemos sob duas ditaduras nas quais os torturadores e agentes de repressão nunca foram responsabilizados. De fato, a violência política quando vitoriosa impõe o silêncio, o medo e a impunidade de seus agentes.

Houve uma tentativa urdida, planejada, discutida e financiada de golpe de estado. Houve planejamento de assassinatos do Presidente eleito Lula e dos demais alvos do ódio bolsonarista. Houve elaboração de estratégias de comunicação para alimentar falsas narrativas da parcela da sociedade que daria sustentação ao golpe. Houve elaboração de decreto para dar ares de legalidade ao que nunca teria legalidade nem moralidade. Até joias roubadas do estado foram vendidas para isso.

Golpes de estado são ilegais, autoritários, violentos e covardes. “Tem medo do resultado das urnas quem está no poder sem elas”. O que Bolsonaro e os seus tentaram fazer aqui foi um clássico golpe de estado. Todos os elementos estão lá: a conspiração militar, a estratégia de comunicação, a definição de alvos a serem mortos, procedimentos a serem executados, inclusive a maquiagem de legalidade.

Onde estaríamos se eles tivessem feito o golpe e assassinado os eleitos? Não estaríamos aqui. Alguns de nós estaríamos presos, outros exilados, outros silenciados. Mandatos teriam sido cassados. Parlamentos manietados. Sindicatos fechados. Manifestações reprimidas. Voltariam as prisões e torturas dos que resistissem aos golpistas. Era esse nosso provável futuro se Bolsonaro e os seus cúmplices civis e militares tivessem sido vitoriosos no golpe.

Nem todos que urdiram, financiaram, planejaram e contribuíram para a tentativa de golpe serão responsabilizados. Sabemos disso. A parcela da elite econômica que torcia pelo golpe talvez sequer seja identificada. Mas hoje é um grande dia, pois é importante para a Justiça, para o Direito e para a Democracia. É demais importante afastar essa permanente ameaça que atravessa a história brasileira de que há sempre aqueles que - com armas do estado - colocariam a maioria social refém de sua violência autoritária e covarde. Que os “profissionais da violência” poderiam impunemente constranger a vontade popular. É imperioso destacar que o desatino do golpe não se deu porque há oficiais que respeitaram (e assim sempre deve ser) a Constituição.

Hoje é um grande dia porque os golpistas terão direito de defesa e serão julgados sob estado democrático de direito com acesso às garantias do devido processo legal, coisa que eles queriam rasgar com a força violenta das armas.

Hoje será um grande dia para buscar fortalecer a nossa combalida e frágil democracia, sempre ameaçada pelo andar de cima.

Hoje será um grande dia, porque Justiça não é vingança. Justiça é responsabilidade. Responsabilidade vem de resposta. É preciso responder à tentativa de golpe dentro da lei para defender a democracia contra os atos violentos contra o estado democrático. Isso nos educa como povo. Esse grande dia só é possível porque os covardes não venceram e ainda estamos aqui.

Hoje é o dia em que eles se tornarão réus. Ofertarão defesa. Serão julgados. Alguns absolvidos. Alguns condenados em sentenças distintas. Não é o dia do julgamento. Mas a Justiça é tão rara nesse país, sempre acostumado a punir os mais pobres e nunca a punir a violência política, que só em se tornarem réus é fato de se comemorar. (Texto: Renato Roseno / Foto: Divulgação STF)

Áreas de atuação: Democracia, Política