Em sessão especial que lotou o plenário da Assembleia Legislativa na manhã da última sexta-feira (24), parlamentares, sindicalistas e representantes de movimentos sociais criticaram a Medida Provisória 868/2018, que desestrutura o setor de saneamento no Brasil e facilita a privatização dos serviços de água e esgoto. A proposta tem relatoria do senador cearense Tasso Jereissati (PSDB) e é mais um duro golpe contra os direitos sociais e os serviços públicos patrocinado pelo governo Bolsonaro.
Para o Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Ceará (Sindiagua), a MP é repleta de inconstitucionalidades. Ela viola a titularidade do saneamento e busca inviabilizar economicamente as companhias estaduais - entre elas, a Cagece -, o que acabaria com o mecanismo solidário do subsídio cruzado que garante que o valor arrecadado com as tarifas das cidades ricas viabilizem o abastecimento nas regiões pobres. Além disso, ao assumir a gestão da água sem concorrentes, a concessionária privada começa a cometer abusos em nome do lucro, com imediata queda da qualidade do serviço.
"Nos anos 90, o então governador Tasso Jereissati tentou entregar a Cagece para multinacionais francesas. Naquela época, a luta dos trabalhadores impediu esse convescote que privatizaria a água e o esgoto. Se nós vencemos nos anos 90, vamos vencer novamente desta vez", afirmou Renato durante a sessão. "O capitalismo não tem ética. Ele retira direitos e mercantiliza a vida e a natureza. Ele retira todas as regulações democráticas. Para nós, a água é um direito fundamental; para o capitalismo, ela é uma mercadoria".
Segundo levantamento feito pelo Sindiágua, a privatização coloca o Brasil na contramão da tendência mundial de reestatização da água e do saneamento. Nos últimos anos, mais de 260 cidades em todo o mundo - entre elas, Paris, Atlanta, Buenos Aires e Berlim - reverteram seus processos de privatização após aumentos exorbitantes de tarifas e enormes prejuízos causados às populações. Em Paris, as tarifas privatizadas chegaram a aumentar mais de 250%, o que forçou a cidade a devolver a gestão do serviço para o Estado.
Em sua intervenção, Renato lembrou os casos de Buenos Aires e La Paz, capitais latino-americanas que tiveram suas águas privatizadas e que depois de alguns anos também tiveram de reestatizar os serviços. "Isso só foi possível mediante desobediência civil. Em Buenos Aires, houve um gigantesco levante pelo não pagamento de contas por conta da deterioração do serviço e pela contaminação da água que estava sendo servida pela empresa privada. É importante, portanto, que a sociedade tenha consciência desses processos e dessa luta", defendeu.
O parlamentar também destacou a importância do saneamento ambiental para a saúde pública. Segundo Renato, o semiárido nordestino ainda possui inúmeras doenças de veiculação hídrica pela completa falta de saneamento ambiental. "Essa luta contra a privatização é uma luta em defesa do direito à saúde pública, do direito à água tratada e ao saneamento", afirmou.
Uma das proponentes do debate, a deputada Augusta Brito (PCdoB) questionou o fato de a proposta vir em formato de uma medida provisória, e não como um projeto de lei. “É notável que não se deseja um debate sobre o assunto e, pelo visto, não adianta proposta de ninguém, pois até parece que a decisão já está tomada pelo Governo Federal. O que está em jogo não é levar o saneamento para quem ainda não tem, e sim levar lucro para empresas privadas”, opinou.
Também solicitante da sessão especial, o deputado Acrisio Sena (PT) atentou para o fato de que os argumentos para a privatização de uma empresa como a Cagece são os mesmos usados na ocasião da privatização da Coelce. “Não é coincidência que o mesmo cidadão que colaborou para a privatização da Coelce queira privatizar a Cagece. Os argumentos são os mesmos. Acontece que essa mudança prejudicará nossa população. Estamos unindo Governo do Estado, Assembleia, municípios, sindicatos e a população contra essa privatização, pois água não é mercadoria”, afirmou.
Para o deputado Elmano Freitas (PT), é importante salientar que não é que o povo não queira o saneamento, mas que não tem dinheiro para pagar a conta. “Todos nós sabemos da importância do saneamento básico para a saúde pública e a vida de qualquer ser humano. Mas o que acontece aqui é que estão querendo obrigar, com a lei, a somente empresas privadas cuidarem do nosso saneamento, o que sabemos que encarecerá o serviço”, criticou.
Representando a Câmara Municipal de Fortaleza, a vereadora Larissa Gaspar (PPL) classificou como “MP da Morte” a Medida Provisória 868/18. “A população precisa saber do impacto direto na saúde pública que a falta de saneamento causa e, sobretudo, não podemos deixar que nossos recursos naturais sejam privatizados. O saldo é morte, assim como nas tragédias de Mariana e Brumadinho. Estamos falando de pessoas pobres, que não têm dinheiro para pagar uma conta que será elevada com a privatização”, alertou.
Os ex-deputados Lula Moraes e Chico Lopes também se manifestaram contra a medida do Governo Federal, além de lideranças sociais do Interior. (Com informações da Ascom/AL - Foto: Divulgação)