Quando Assembleia Provincial do Ceará declarou em 1863 que não existiam mais índios no Estado, o interesse dos poderosos que estavam por trás da medida era se apossar das terras dos aldeamentos indígenas. No relatório assinado pelo então presidente da província, José B. C. Figueiredo Júnior, constava a informação de que, entre os índios aldeados ou bravos que aqui habitavam, uma parte fora dizimada e a parte restante havia migrado ou se descaracterizara. Desde então, essa ideia de que não havia mais índios no Ceará foi tão amplamente disseminada que até hoje é difundida. Mas o fato é que ela não passa de uma versão distorcida e interessa da história: no Ceará há índios sim! E hoje eles são 14 povos indígenas espalhados por 18 municípios, totalizando cerca de 26 mil pessoas.
"Ao longo de mais de 500 anos, os indígenas estão sendo violentados em sua cultura e em seus direitos. Muitas vezes, são obrigados a se esconder e até a negar sua história por uma questão de sobrevivência", defende o deputado estadual Renato Roseno (PSOL). Em parceria com o movimento indígena cearense, Renato é autor de um projeto de lei (402/2019) aprovado na manhã de hoje na Assembleia Legislativa que reconhece a existência, a contribuição e os direitos dos povos indígenas no Estado do Ceará. Segundo o parlamentar, somente no final da década de 1970, através da mobilização dos índios Tremembé e Tapeba, com mediação da ONG Missão Tremembé, da Igreja Católica e das universidades, é que se iniciaram as articulações em torno da garantia de direitos desses povos no Ceará.
Segundo a historiadora Isabelle Silva, a força da ideologia, que sustentou o interesse das elites na expropriação das terras indígenas, transformou um simples relatório provincial no “decreto da extinção”, como o documento ficou conhecido. E foi reproduzido pela historiografia por mais de um século, contribuindo decisivamente para a negação da presença indígena no Ceará. "O nosso projeto de lei visa afirmar que os povos indígenas no Ceará, no passado, não foram extintos – como querem as ideologias de ontem e de hoje", explica Renato. "E também quer reafirmar a existência desses povos no presente, assim como seus direitos, não deixando dúvidas quanto à sua importância social, cultural e ambiental".
Para o deputado, a proposta foi aprovada hoje pela Assembleia Legislativa do Ceará representa uma grande reparação histórica a essas populações. "Estamos muito felizes em poder contribuir para o reconhecimento, ainda que simbólico, dos povos Anacé, Gavião, Jenipapo-Kanindé, Kalabaça, Kanindé, Kariri, Pitaguary, Potiguara, Tapeba, Tabajara, Tapuia-Kariri, Tremembé, Tubiba-Tapuia e Tupinambá!", afirma.
Confira aqui a íntegra do projeto.