Romaria da Santa Cruz pode entrar para o calendário oficial do Estado

26/05/22 17:00

Um projeto de lei de autoria do deputado estadual Renato Roseno (PSOL) quer incluir no calendário oficial do estado a Romaria da Santa Cruz. O evento é realizado todo mês de setembro e celebra a memória e a luta da comunidade do Caldeirão da Santa Cruz do Deserto, no Crato. Além da romaria, o PL 219/2022 também contempla a Semana Ecos do Caldeirão, extensa programação realizada de forma concomitante à romaria e que envolve atividades religiosas, rodas de conversa, debates, apresentações culturais e momento litúrgicos.

"O objetivo do projeto é celebrar a história da comunidades do Caldeirão, liderada pelo beato José Lourenço, que foi massacrada pelas forças armadas, em 1937, e que por muitos anos teve sua história invisibilizada", explica Renato. "É uma tentantiva de reparar uma histórica injustiça cometida pelo estado brasileiro na destruição e no apagamento da memória do Caldeirão da Santa Cruz do Deserto, inserindo a Semana Ecos do Caldeirão e a Romaria da Santa Cruz no Calendário Oficial do Estado do Ceará".

Também conhecida como Romaria da Terra, a romaria é organizada por entidades como a Comissão Pastoral da Terra (CPT), a Diocese de Crato, as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Crato, a Associação Cristã de Base (ACB), a Universidade Regional do Cariri (Urca), a organização Caldeirão Vivo e o Assentamento 10 de Abril. O evento acontece no quarto domingo do mês de setembro e reúne milhares de pessoas em frente à capela de Santo Inácio de Loyola, única edificação da época do beato José Lourenço - líder da comunidade nas primeiras décadas do século XX - que ainda se mantém de pé.

JOSÉ LOURENÇO - A história do Caldeirão começou no final do século XIX, quando o agricultor paraibano José Lourenço Gomes da Silva migrou até Juazeiro do Norte e se tornou um beato de confiança do Padre Cícero. Lourenço e um grupo de flagelados se estabeleceram numa terra arrendada pelo sacerdote no Sítio Baixa Dantas, no Crato, trabalhando na agricultura de forma comunitária e sempre movidos por um espírito religioso.

Em 1926, no entanto, as terras foram vendidas. Em seguida, Padre Cícero cedeu uma de suas propriedades na fazenda conhecida como “Caldeirão dos Jesuítas”, a cerca de 33 quilômetros da sede do Município. Nesse novo local, Loureço e seus agregados recomeçaram o trabalho e partilharam a produção de forma igualitária, com o excedente sendo utilizado para a compra de outros produtos, como remédios e querosene.

Na seca de 1932, uma das mais duras a atingir o Nordeste, o Caldeirão da Santa Cruz, como o local passou a ser chamado, foi fundamental para acolher os flagelados. Mesmo com escassez de água e alimentos, o espírito comunitário dos trabalhos impulsionou o crescimento do lugar, que chegou a receber 1.700 pessoas, segundo os historiadores. Temendo que a comunidade se tornasse um movimento messiânico, o Governo Federal ordenou, em 11 de setembro de 1936, a primeira invasão à comunidade, que foi dispersada por forças policiais.

Oito meses depois, em maio de 1937, foram as Forças Armadas que destruíram a comunidade, utilizando-se, segundo relato de alguns pesquisadores, do primeiro bombardeio aéreo da história brasileira. Vitimado pela peste bubônica, José Lourenço faleceu em Exu (PE), em 1946. Até hoje, a capela de Santo Inácio de Loyola é a única edificação daquela época que resiste no local.

A ROMARIA - Além de sua importância histórica, atualmente o Caldeirão da Santa Cruz do Deserto está em processo de se tornar uma unidade de conservação e integrar o Geopark Araripe como um de seus geossítios. A Secretaria de Cultura do Crato também tem uma proposta de criar um memorial dentro da comunidade.

Em setembro de 2000, foi realizada a primeira Romaria da Santa Cruz, organizada pelas entidades eclesiais de base (CEB’s) com organizações em defesa da agricultura familiar, do meio ambiente e da soberania alimentar. A ideia era resgatar a história de uma comunidade que “de certa forma foi abafada”, como avalia o padre Vileci Vidal, um dos seus idealizadores. “Eram pessoas marginalizadas, refugiadas, buscando reintegrar a sua espiritualidade, fugindo do cangaço. Uma comunhão integrada no campo social e político”, completa o padre. (Texto: Felipe Araújo / Foto: Antônio Rodrigues)

Áreas de atuação: Cultura