No dia da Consciência Negra, 20 de novembro, trazemos a história de quem está em uma das linhas de frente desse grito de força: Lila, Adriana e Louise, as co-vereadoras que compõe a mandata eleita Nossa Cara, a primeira mandata coletiva a Câmara Municipal de Fortaleza
Mulheres pretas de periferia, as três são distintas expressões das subjetividades forjadas por uma colonialidade racista que concentra riquezas, expropriou terras e dominou a economia, mas que nunca vingou contra a vontade de vida que um povo carrega e transmite através de suas memórias ancestrais. Que lutam, que chefiam a casa, que reivindicam seus direitos de voz e de serem escutadas. Que cuidam dos filhos ao mesmo tempo que administram a sua vida, que militam pelo direito não só de existir, mas de resistir. Essa é a Nossa Cara, composta por Adriana Gerônimo Vieira Silva, 30; Louise Anne de Santana, 30; e Lila M. Salu, 32, primeira candidatura coletiva de Fortaleza, eleita com 9.824 votos no último domingo, 15.
Lila M. Salú é cria do Beco da Galinha, na comunidade Verdes Mares e militante do Fórum Cearense de Mulheres, da Articulação de Mulheres Brasileiras e do Instituto Negra do Ceará. Lila, a poetisa que descobriu no rap que também podia ter voz. "Sempre tive um olhar crítico da minha situação e da minha galera, no meu bairro. Por que que os meus são diferentes do pessoal que mora do outro lado? Eu morava em um beco, e do outro lado tinham uns prédios. Sempre pensei nisso e na adolescência isso veio mais forte", conta.
Do Lagamar à Câmara dos Vereadores, Adriana Gerônimo é mãe, moradora da Comunidade localizada no bairro Aerolândia, assistente social, engajada nas pastorais sociais e na luta por moradia digna e direito à cidade. É co-fundadora da FavelAfro, cooperativa de mulheres periféricas da Comunidade do Lagamar, integra o Grupo Jovens em Busca de Deus (JBD LAGAMAR), a Frente de Luta por Moradia Digna, o Campo Popular do Plano Diretor de Fortaleza e o Fórum Popular de Segurança Pública do Ceará.
“Fui a primeira pessoa da família que conseguiu entrar na Universidade e concluir um curso superior. Estou envolvida em alguns movimentos relacionados à moradia na cidade. Esse é meu berço de militância”, reforça Adriana.
Mulher Preta, cis, cristã, Louise Santana é professora substituta na Escola José Carlos Matos pela prefeitura municipal de Fortaleza. Ela estuda Direito na Universidade Federal do Ceará, é feminista e anti-racista. Constroi os setoriais de Mulheres e de Negritude do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), integra a Rede de Mulheres Negras do Ceará e o Campo Popular do plano diretor.
Diversas em muitos aspectos, é principalmente na militância que elas unem as mãos em prol da luta em comum. "Nesse movimento de ocupar a cidade e de atravessar a cidade para construir outra realidade de vida que eu cheguei à UFC. Acredito que é muito importante que pessoas como nós, nascidas e criadas na periferia, pobres, negras, consigam, também, ocupar esses espaços. Inclusive, para reivindicar os direitos que são negados para nós diariamente”, destaca Louise.
A mandata coletiva é um respiro nos cenários devastadores de negação de direitos dos negros e negras, uma das tantas estratégias históricas de povos que não se rendem e que impostam a voz para falar da vida e da esperança para além das desigualdades e injustiças produzidas pelo racismo. É, na realidade, um olhar de esperança. “Ser mulher e ser preta é também disputar a política institucional”, aponta Louise.
Infelizmente, não temos ainda como falar de resistência no Brasil, sem colocar luz nas diversas violências contra a população negra no País, afinal visibilizar essas violências também significa enfrentá-las. Somente no primeiro semestre de 2020, 75% das mulheres assassinadas, vítimas de feminicídio, são negras. Foram 650 vidas ceifadas em decorrência da cor e do gênero. O levantamento faz parte do Monitor da Violência, uma parceria do G1 com o Núcleo de Estudos da Violência da USP e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Louise, Adriana e Lila trazem não somente a representação da resistência, mas a possibilidade de um outro futuro para tantas mulheres, onde a política se alarga para caber o povo, se veste de cotidiano e supera os limites da representação para criar uma participação direta e equitativa. Elas são e serão referência para meninas pequenas e mulheres que concluirão que, sim, é possível mudar o mundo.
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