A presidenta da República, Dilma Roussef, vetou a realização de auditoria da dívida pública com participação de organizações da sociedade, no âmbito do Ministério da Fazenda. O gasto com juros e amortizações da dívida pública federal atingiu em 2015, até 1º de dezembro, quase R$ 1 trilhão. A auditoria havia sido incluída no Plano Plurianual (PPA) para o período 2016-2019, por meio de emenda do deputado federal Edmilson Rodrigues (PSOL-PA), acatada pela Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados.
O Plano Plurianual é uma peça de planejamento estratégico quadrienal, que estipula gastos e ações do governo para esse período. A emenda do deputado Edmilson Rodrigues ao PPA acrescentou o trecho “realização de auditoria da dívida pública com participação de entidades da sociedade civil“ ao item “aprimorar a gestão de receitas e despesas para garantir o equilíbrio fiscal”.
O mandato do deputado estadual Renato Roseno (PSOL) considera um retrocesso o veto da presidenta, publicado no Diário Oficial da União desta quinta-feira, 14 de janeiro, e questiona a justificativa apresentada por Dilma Roussef. "O conceito de dívida pública abrange obrigações do conjunto do setor público não financeiro, incluindo União, Estados, Distrito Federal e Municípios e suas respectivas estatais. Assim, a forma abrangente prevista na iniciativa poderia resultar em confronto com o pacto federativo garantido pela Constituição", aponta a presidenta.
Dilma acrescenta que a gestão da dívida pública federal é realizada pela Secretaria do Tesouro Nacional e que as informações relativas a contratação, composição e custo são ampla e periodicamente divulgadas por meio de relatórios desse órgão e do Banco Central do Brasil, garantindo transparência e controle social. "Ocorrem, ainda, auditorias internas e externas regulares realizadas pela Controladoria Geral da União e pelo Tribunal de Contas da União”, conclui a presidenta.
Para o PSOL e a Auditoria Cidadã da Dívida, tais justificativas não se sustentam. A dívida dos entes federados está profundamente relacionada com o Governo Federal, sendo que este último é justamente quem cobra a maioria destas dívidas, que precisam ser urgentemente auditadas e tem causado sérios danos às finanças de estados e municípios.
Além do mais, não há transparência sobre diversos aspectos do endividamento, a começar pelos próprios beneficiários desta dívida, cujos nomes são considerados como sigilosos pelo governo, apesar de se tratar de recursos públicos. A recente CPI da Dívida Pública, realizada na Câmara dos Deputados nos anos de 2009 e 2010, teve muitos documentos e informações não fornecidos pelos órgãos do governo. Outras três CPIs sobre o assunto já foram criadas no Congresso, apontando diversos indícios de ilegalidades.
O gasto com juros e amortizações da dívida pública federal atingiu em 2015, até o dia 1º de dezembro, o valor de R$ 958 bilhões. Grande parte desse gasto decorre de cobertura de despesas feitas pelo Banco Central com, por exemplo, Operações de Mercado Aberto e de Swap Cambial, da ordem de centenas de bilhões de reais. Para conferir como não há transparência sobre tais operações, seus beneficiários e suas reais necessidades para o Brasil, clique aqui. Para saber mais sobre a Auditoria Cidadã da Dívida, clique aqui.
O PSOL considera que falta transparência e discussão com a sociedade também sobre a real necessidade das altíssimas taxas de juros, responsáveis pelo crescimento da dívida pública e pelo expressivo aumento dos gastos do Tesouro com a dívida. "A justificativa de 'controle da inflação' não tem se confirmado na prática, dado que a alta de preços não tem sido causada, preponderantemente, por um suposto excesso de demanda, mas sim, por preços administrados pelo próprio governo, como energia, combustíveis, transporte público, planos de saúde, e pela alta de alimentos, em um contexto no qual é priorizada a agricultura para exportação".
O partido ressalta ainda a importância de se auditar a origem do endividamento atual, desde o regime militar, cuja documentação requerida pela CPI da Dívida Pública da Câmara dos Deputados, em grande parte, não foi fornecida pelo Banco Central, a exemplo de contratos de endividamento externo e valores devidos externamente pelo setor privado assumidos pelo setor público.
"A participação de entidades da sociedade civil é fundamental para o processo de auditoria, a exemplo do ocorrido recentemente no Equador, quando a Comisión para la Auditoria Integral del Credito Publico (Caic), com a colaboração da sociedade civil, permitiu a investigação dos crimes da ditadura, e a consequente anulação de 70% da dívida externa com bancos privados internacionais", argumenta o PSOL.
Previsão constitucional
A Auditoria da Dívida Pública no Brasil está prevista na Constituição Federal, na forma de uma comissão mista de deputados e senadores, e deveria representar um procedimento normal, com vistas à transparência dos gastos públicos. "No prazo de um ano a contar da promulgação da Constituição, o Congresso Nacional promoverá, através de Comissão mista, exame analítico e pericial dos atos e fatos geradores do endividamento externo brasileiro. A Comissão terá a força legal de Comissão parlamentar de inquérito para os fins de requisição e convocação, e atuará com o auxílio do Tribunal de Contas da União. Apurada irregularidade, o Congresso Nacional proporá ao Poder Executivo a declaração de nulidade do ato e encaminhará o processo ao Ministério Público Federal, que formalizará, no prazo de sessenta dias, a ação cabível", estabelece o artigo 26 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Carta Magna.
"Portanto, a inclusão da referida iniciativa no âmbito do Ministério da Fazenda, apesar de ainda não representar o cumprimento da Constituição, seria de grande valia para a transparência do maior gasto federal. Desta forma, garantir-se-ia a ampla discussão com a sociedade sobre a alocação de centenas de bilhões de reais, sendo injustificável o veto de dispositivo que apenas visa garantir maior transparência aos gastos públicos, e aperfeiçoar a gestão do endividamento", conclui o PSOL.
O pagamento de juros e amortizações da dívida é a rubrica que mais consome recursos do orçamento da União, em mais de 40%, seguido pelos gastos com a Previdência e a folha de pagamento do serviço público. O deputado estadual Renato Roseno apoiou a realização de um seminário na Assembleia Legislativa do Ceará, no dia 7 de julho de 2015, para tratar das "Alternativas ao ajuste fiscal: tributação dos ricos e auditoria da dívida pública", em parceria com o Fórum Permanente em Defesa do Serviço Público e o Núcleo Ceará da Auditoria Cidadã da Dívida.
Na oportunidade, o parlamentar cearense do PSOL questionou o capitalismo à brasileira, que se baseia em tirar dos pobres para dar aos riscos. "Sem dúvida alguma, ele não se sustenta sem esse processo de transferência da 'bolsa banqueiro'", insistiu, apontando que o Governo Federal pagou R$ 980 bilhões para o sistema financeiro em 2014, enquanto destinou apenas R$ 25 bilhões para o Bolsa Família, um programa de transferência direta de renda a famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza.