As primeiras notícias veiculadas pela imprensa apontam que a série de ataques ocorrida nessa quinta-feira (3) em Fortaleza e na Região Metropolitana seriam retaliações às declarações do titular da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP), Luis Mauro Albuquerque, segundo o qual o estado não vai reconhecer as facções criminosas e, a partir de agora, os presídios cearenses não irão mais manter a divisão de presos de acordo com esses grupos.
O governador Camilo Santana anunciou um pedido de ajuda para a Força Nacional, Exército e Força de Intervenção Integrada ao Ministério da Justiça e da Segurança Pública. O Secretário Nacional de Segurança adotou tom similar ao empregado pelo Secretário de Administração Penintenciária, reduzindo a solução do problema ao uso da força. A verdade é que o problema é por demais complexo e mereceria mais que declarações que acentuam a gravidade da situação.
Antes de mais nada, é importante dizer que essa lógica do confronto e episódica não vai resolver a questão mais ampla da segurança. Quem acompanha as políticas públicas do setor no Ceará sabe que esse tipo de cenário é consequência de problemas mais profundos, estruturais, que vêm sendo sistematicamente negligenciados pelo governo estadual, não apenas na atual gestão, mas também nas anteriores.
Por aqui, as crises se sucedem e as “soluções miraculosas”, idem. Enquanto isso, a população segue sofrendo: com o medo nas ruas, com as dificuldades de deslocamento, sendo expulsas de suas casas, etc.
A situação do nosso sistema prisional demandava mais cautela. Marcado pela superlotação, pela presença ostensiva das facções, com mais de 50% de presos provisórios (dos quais apenas 5% trabalham e 7% estudam), o Estado precisava de um gestor que tivesse como eixo de ação a inteligência, além das medidas preventivas que deveriam pautar a segurança pública, como defendem organizações da sociedade civil e especialistas.
Em vez disso, Camilo nomeou um secretário que dá declarações legitimando exclusivamente a lógica da força. O resultado não poderia ser outro: instabilidade e violência dentro e fora das prisões. O tema é complexo e não comporta soluções fáceis. Não se trata de negociar com as facções nem tolerar atos criminosos, mas trabalhar com inteligência e com um horizonte mais amplo de resolutividade. Os investimentos em promoção social e prevenção, por exemplo, são infinitamente pequenos se comparados ao orçamento da coerção e da ostensividade. Resultado: temos cerca de 30 mil presos no Ceará, dos quais metade é formada por jovens. Trata-se de uma enorme população a ser recrutada para as facções criminosas, já que os presídios estão tomados por eles.
Não será, portanto, uma intervenção federal ou o recrudescimento da força que evitarão esse agenciamento. Para avançar rumo à solução real, em vez de discursos fáceis e de forte apelo, mas que fazem a população sofrer, é preciso reflexão estrutural, participação da sociedade civil na elaboração das políticas, planejamento, regularidade das ações e intersetorialidade.
Reconhecemos que a situação é grave e emergencial e acompanhamos o caso com preocupação. Mas reiteramos que qualquer ação deve se dar estritamente dentro dos marcos legais. Além disso, é urgente convocar a sociedade para um plano estratégico de Segurança Pública que diminua o poder das organizações criminosas e reduza a violência em nossa sociedade.