O Supremo Tribunal Federal (STF) julga na próxima quarta-feira, dia 19 de fevereiro, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) que questiona a concessão de benefícios fiscais aos agrotóxicos. Ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) em 2016, a ADI nº 5553 tem como colaboradores da argumentação técnica e jurídica a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, a Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, a Fian Brasil, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e a ONG Terra de Direitos. Em ações individuais e coletivas, as entidades fazem parte da ADI como amicus curiae (amigos da corte).
A ação movida pelo PSOL questiona dois dispositivos legais que concedem benefícios fiscais aos venenos: o Decreto nº 7.660/11 e o Convênio 100/97 do Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária). A primeira norma garante isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para alguns agrotóxicos. Já a segunda, reduz em 60% a base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) nas saídas interestaduais dos agrotóxicos, além de possibilitar que os estados reduzam a base de cálculo do ICMS incidente sobre os produtos em até 60% nas operações internas.
Para João Alfredo Telles Melo, um dos autores da peça jurídica e atual presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB/CE, a ADI nº 5553 é fruto da “convergência de uma série de sujeitos que estão ligados à temática de luta contra os agrotóxicos no Ceará e no Brasil”. Isso porque a escrita do texto teve início no estado nordestino a partir de iniciativa da Rede Nacional de Advogados Populares (Renap), com fundamentação de estudos do Núcleo Trabalho, Meio Ambiente e Saúde da Universidade Federal do Ceará (Núcleo Tramas/UFC) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e mobilização do Movimento 21 de Abril (M21), surgido após o assassinato do agricultor José Maria do Tomé (ocorrido em 2010 por conta da luta camponesa contra a pulverização área de agrotóxicos na Chapada do Apodi, localizada no interior do Ceará).
Na sequência, organizações da sociedade civil e redes de defesa dos direitos humanos encamparam a defesa da argumentação. “O apoio da Abrasco a essa ADI é uma expressão concreta da nossa compreensão sobre a determinação social nos processos saúde-doença-cuidado. É nosso papel como entidade da sociedade civil e movimento social estarmos atentos a elementos estruturais e estruturantes da sociedade sobre os quais possamos intervir, gerando impacto positivo imediato sobre a saúde das pessoas”, Raquel Rigotto, coordenadora do Tramas e dirigente da Abrasco. Além disso, o parecer de 46 páginas emitido em outubro pela então Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, foi ao encontro da ação proposta e acrescentou mais elementos tanto de ordem fática, como doutrinária e jurisprudencial. “Se o STF referendar esse parecer da PGR, teremos a suspensão dos subsídios e, consequentemente, o encarecimento dos químicos, o que interfere nas condutas do campo econômico às vezes muito mais do que ações educativas e de fiscalização, também de suma importância”, completa Rigotto. Na última sexta-feira, dia 14, outro importante apoio veio do Conselho Nacional de Saúde, que emitiu recomendação para que os ministros do STF se posicionem favoravelmente ao fim dos benefícios fiscais aos químicos agrícolas.
Segundo João Alfredo, advogado que também será um dos responsáveis pela sustentação oral do PSOL no plenário do STF, o centro da argumentação da ADI é o entendimento de que qualquer tipo de estímulo fiscal para produção, comercialização e uso dos agrotóxicos é inconstitucional por violar os direitos fundamentais à saúde e ao meio ambiente equilibrado, além de desrespeitar princípios constitucionais da Seletividade Tributária. “O Estado pode criar tributo, aumentar ou diminuir alíquota ou até isentar de imposto certa conduta dependendo se decide estimular ou desestimular ela. Isso é feito selecionando o que é considerado essencial ou prejudicial para a população. Os incentivos fiscais para os agrotóxicos não atendem a nenhum direito fundamental da pessoa humana. Pelo contrário, estimulam substâncias que contaminam água, ar, solo e populações humanas e animais e oneram as despesas do Estado com saúde”, explica.
Estima-se que para cada dólar gasto na compra de agrotóxicos, até 1,28 dólar é gasto para o tratamento de intoxicações agudas, ou seja, aquelas que ocorrem imediatamente após a aplicação. O cálculo não considera o custo ao sistema público de saúde no tratamento das intoxicações crônicas, das doenças que resultam da exposição constante ao agrotóxico. Segundo estudo da Abrasco, feito por pesquisadores da Fiocruz e da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), o valor que o governo federal e os estados deixam de arrecadar com a isenção fiscal aos pesticidas é equivalente a quase quatro vezes o orçamento total previsto para o Ministério do Meio Ambiente para 2020, chegando a um total de 10 bilhões de reais.
“Benefícios fiscais para agrotóxicos funcionam, por exemplo, como se o Estado entendesse que deveria produzir instrumentos para estimular a produção, a comercialização e o consumo do tabaco, um produto que onera o Sistema Único de Saúde”, compara o deputado estadual Renato Roseno (PSOL/CE). Segundo ele, que é autor da Lei Zé Maria do Tomé, que proíbe a pulverização aérea de agrotóxicos no estado cearense, a retirada dos incentivos fiscais para os pesticidas pode representar uma vitória da sociedade brasileira em defesa da saúde pública e do meio ambiente. “Existem países europeus que impuseram impostos extras para os agrotóxicos, sinalizando que não é política de Estado estimular o uso de produtos que causam graves problemas para a coletividade”. Por isso mesmo, o julgamento da ADI faz parte de uma campanha mais ampla pela redução do consumo de agrotóxicos no Brasil, aponta o parlamentar.
O país é líder do ranking mundial de consumo de agrotóxicos e em 2019 bateu recorde ao aprovar o registro de 474 novas substâncias deste tipo. “Esta ADI revela claramente os interesses em jogo. De um lado, representantes de empresas e grandes latifundiários querem seguir se aproveitando dos benefícios fiscais para lucrar ainda mais com os venenos. De outro lado, a sociedade civil e entidades científicas exigem que o STF se posicione em defesa da vida e acabe com os benefícios. É uma luta do lucro contra a vida, e por isso os ministros precisam ouvir as vozes do povo”, enfatiza Alan Tygel, da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida.
De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), os agrotóxicos matam 200 mil pessoas por ano em todo o mundo por intoxicação aguda. No Brasil, em média, sete pessoas são intoxicadas por dia. Informações do Ministério da Saúde mostram que de 2007 a 2017, 1.824 pessoas morreram devido ao uso de venenos e outras 718 pessoas tiveram sequelas. Um relatório de 2019, da Fiocruz, afirma que há um grande custo social decorrente do uso de agrotóxicos e destaca um estudo no Brasil que revela que, para cada dólar gasto na compra de agrotóxicos, até 1,28 dólares são gastos para o tratamento de intoxicações agudas. (Foto: Divulgação)