Os trabalhadores e as trabalhadoras que recebem seu pagamento no início de abril já devem ter observado uma famigerada novidade no contracheque. As novas alíquotas de contribuição previdenciária pagas na iniciativa privada e no funcionalismo público entraram em vigor em março. Os percentuais foram definidos pela Reforma da Previdência, efetivada por meio da Emenda Constitucional 103, promulgada pelo Congresso Nacional em 12 de novembro do ano passado e que trouxe uma série de cruéis modificações ao sistema previdenciário brasileiro: aumento das idades de aposentadoria, do tempo mínimo de contribuição, regras de transição etc.
As novas alíquotas somente entraram em vigor na folha de pagamento de março, compensada em abril, para respeitar o prazo de três meses desde a data da publicação da emenda. Para o empregado ou empregada da iniciativa privada, que contribuía para o INSS em percentuais que variavam de 8% a 11%, as novas alíquotas passam a variar de 7,5% a 14%, aplicados sobre cada faixa de remuneração, e não sobre todo o salário. No caso dos servidores federais, a alíquota máxima era de 11% sobre todo o salário; as novas poderão ir de 7,5% a 22%, calculadas sobre cada faixa de salário.
No Ceará, a reforma aprovada a toque de caixa pelo governo Camilo no final do ano passado trouxe regras ainda mais duras para o funcionalismo estadual. A Portaria nº 1.348/2019, da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, determinou o prazo até julho de 2020 para os estados se adaptarem à reforma federal. Essa portaria, no entanto, deu aos entes estaduais duas possibilidades para suas reformas locais: alíquotas progressivas, em percentuais que iam de 7,5% até 22%; ou alíquota linear de 14%. O governo Camilo acabou adotando a pior opção: a alíquota linear de 14% (cobrada já desde 2019), que vai prejudicar os servidores mais pobres.
O restante das regras da reforma estadual foram discricionárias: da pensão por morte ao cálculo dos benefícios. "É importante que a população cearense saiba que a portaria do governo federal que está sendo usada como justificativa para a aprovação da reforma no Ceará é dirigida apenas aos estados em déficit atuarial e requer apenas a atualização das alíquotas, ela não determina a alteração das regras de obtenção dos benefícios, como as regras de pensão. Portanto, o governo está mentindo para a população. Faltam responsabilidade, coragem e coerência", denunciou o deputado estadual Renato Roseno à época da tramitação-relâmpago da proposta de reforma estadual, que classificou como "indigna" e "covarde".
"É indigna porque reproduz no Estado a cruel receita neoliberal de Paulo Guedes para a política previdenciária. E é covarde porque não se dispõe ao diálogo e tenta aprovar no apagar das luzes de 2019", afirmou, criticando a falta de interlocução do governo e de sua base parlamentar com o funcionalismo público estadual.
REFORMAS DE CAMILO - Desde 2015, o governador Camilo Santana fez pelo quatro reformas da previdência no Estado. Em dezembro de 2015, através da EC 15 e da Lei Complementar 159, adaptou a legislação previdenciária estadual às mudanças promovidas no então governo Dilma Rousseff (MPs 664 e 665), restringindo direitos sociais e previdenciários dos trabalhadores e trabalhadoras, a exemplo do escalonamento das pensões por viuvez, e adequando o texto da legislação infraconstitucional estadual na parte que trata da Previdência dos servidores públicos estaduais e militares à Lei de Responsabilidade Fiscal.
Em 2016, por meio da Lei Complementar nº 167, elevou a contribuição previdenciária os servidores públicos estaduais de 11 para 14% (valor que só passaria a ser cobrado ao funcionalismo federal com a reforma de 2019). O reajuste foi escalonado, dividido em três anos (12% em 2017, 13% em 2018 e 14% em 2019). Em 2018, as Leis Complementares 183, 184 e 185 limitaram o valor dos proventos pagos pela previdência pública estadual ao limite do teto do INSS. Isso obrigou os servidores com vencimentos acima desse teto a terem de recorrer a planos complementares para assegurar aposentadorias melhores.
Por fim, no ano passado, numa votação em tempo recorde na Assembleia Legislativa e com muita repressão aos protestos dos servidores, a Emenda Constitucional nº 97 e Lei Complementar 210 replicaram em âmbito local os efeitos da Reforma da Previdência de Bolsonaro e Guedes, alterando as regras de idade mínima, tempo de contribuição, cálculo de proventos, pensões, alíquota de ativos, inativos e pensionistas, etc. (Texto: Felipe Araújo / Foto: Divulgação)