As imagens assustadoras do sofrimento do povo Yanomami assombraram o Brasil e o mundo no último fim de semana. São crianças e idosos desnutridos e doentes, água e solo contaminados, terras invadidas pelo garimpo ilegal e pela grilagem, denúncias de exploração sexual e mais um rol de atrocidades cometidas contra nossos povos tradicionais. Bolsonaro, Damares, Ricardo Salles, Anderson Torres, Mourão e Moro são alguns dos responsáveis por esse verdadeiro projeto genocida, seja pela negligência deliberada, pela prevaricação diante dos incontáveis pedidos de providências ou mesmo pelo apoio institucional dado aos garimpeiros e outros criminosos que invadiram as terras indígenas.
Em entrevista coletiva, procuradores de Roraima definiram como "horror", "excrescência" e "absurdo" o cenário encontrado pelo Ministério Público Federal nas comunidades Yanomamis. Segundo o MPF, o governo de Jair Bolsonaro ignorou de maneira proposital e sistemática a crise humanitária provocada pelo garimpo ilegal e a inação persistiu mesmo após reiteradas decisões judiciais que obrigavam o poder público a agir. À medida que os indicadores de saúde dos Yanomami se deterioravam, o comportamento negligente se espalhava por todas as instâncias do Executivo federal que deveriam ter protegido os indígenas da invasão garimpeira: Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), Funai, Ibama, Ministério da Justiça e Exército/Ministério da Defesa.
Documentos obtidos pelo jornal Brasil de Fato revelaram que as condutas iam desde leniência com um esquema de corrupção que desviou medicamentos destinados aos indígenas, até operações de combate ao garimpo propositalmente ineficazes, passando pelo corte da alimentação em unidades de saúde e a tentativa de reverter os minérios apreendidos para o orçamento da União. Com a posse de Bolsonaro, em 2019, a Funai, sob a presidência de Marcelo Xavier, só começou a instalar bases de proteção nos pontos mais críticos de garimpo depois de uma decisão da Justiça Federal. A base do rio Uraricoera, um dos epicentros de garimpo, no entanto ficou de fora; e passados mais de cinco anos desde a ordem judicial, segue sem proteção.
"É no rio Uraricoera onde fica o garimpo mais violento, com presença de membros de facções criminosas. A falta da presença do Estado naquele local faz com que o garimpo tenha livre acesso ao território", afirmou ao Brasil de Fato o procurador Alisson Marugal, do MPF de Roraima. Diante da resistência da Funai em implementar a base no Uraricoera, a Justiça determinou em 2021 uma multa diária contra a fundação para estimular a construção da base de proteção. Nem assim a decisão foi cumprida. "Hoje a Funai paga 10 mil reais por dia por não ter implementado a base de proteção, o que é bastante grave", disse Marugal.
Em novembro de 2021, o então vice-presidente Hamilton Mourão afirmou a jornalistas que a solução para o problema se daria apenas com a regularização do garimpo em terras indígenas. Ele considerou "inflada" a estimativa da quantidade de garimpeiros no território. Mourão, que presidia o Conselho da Amazônia Legal, disse que o número girava em torno de 3 a 3,5 mil mineradores clandestinos. Já para o MPF, o número "mais razoável" é de 20 mil. Enquanto o garimpo se fortalecia, a FUNAI definhava. Segundo o cacique Marcos Xukuru, uma das principais lideranças indígenas do país, que será assessor especial do Ministério dos Povos Indígenas no governo Lula, a estimativa é que o déficit de servidores da Funai possa chegar a 1.500 cargos.
Enquanto o governo federal lavava as mãos e Bolsonaro escarnecia do drama humanitário dos indígenas (inclusive recebendo medalha do mérito indigenista), o horror avançava sobre o povo Yanomami na forma de fome, doença, morte e exploração sexual de mulheres e meninas. Relatório preparado pela Hutukara Associação Yanomami denunciou que os garimpeiros estão aliciando crianças e adolescentes de a partir de 11 anos, oferecendo alimentação em troca de sexo. O documento mostra que comunidades dentro da Terra Indígena Yanomami situadas até 10 quilômetros de áreas invadidas pelo garimpo enfrentam também a presença do crime organizado, o aliciamento de jovens indígenas para o garimpo e assassinatos. Ao todo, 273 comunidades Yanomami e 56% dos 27 mil habitantes da reserva são afetados diretamente pelo garimpo.
A Polícia Federal já anunciou a abertura de um inquérito para investigar se houve crime de genocídio e omissão de socorro ao povo yanomami pelo governo de Jair Bolsonaro (PL). A investigação vai começar após um pedido feito por Flávio Dino, ministro da Justiça e da Segurança Pública, que integrou a comitiva do governo federal que visitou o território indígena no dia 21 de janeiro. Outras duas denúncias tramitam no Tribunal Penal Internacional, localizado em Haia, na Holanda. Nessas denúncias, a Associação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e a Comissão Arns defendem que o ex-presidente cometeu crimes de genocídio tanto durante a pandemia de covid-19, que vitimou cerca de 700 mil brasileiros, quanto na forma como ele negligenciou proteção dos indígenas nos últimos quatro anos. (Texto: Felipe Araújo, com informações do jornal Brasil de Fato e da BBC Brasil / Foto: Divulgação)