A cada 19 horas, uma pessoa LGBT é assassinada ou se suicida por conta da LGBTfobia. Maior parte dos assassinatos (56%) ocorre em vias públicas e fica sem punição. Na última segunda-feira, parlamentares e representantes de movimentos de defesa dos direitos LGBT e de instituições como a Defensoria Pública participaram de uma audiência pública na Assembleia Legislativa que discutiu essas e outras graves estatísticas que cercam os casos de violência contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais ou transgêneros.
"É muito estranho ver a Secretaria de Segurança Pública dizer que não houve casos de LGBTfobia no Ceará no ano passado. Essa não é a realidade que acompanhamos junto aos movimentos. E esse tipo de declaração acaba por legitimar e autorizar essa violência", alertou o deputado estadual Renato Roseno (PSOL), fazendo referência à declaração recente da SSPDS segundo a qual, no ano em que o assassinato da travesti Dandara dos Santos repercutiu internacionalmente, as mortes de LGBTs no Ceará não teriam sido motivadas por ódio.
De acordo com Renato, que subscreveu o requerimento de realização da audiência, de autoria da deputada Rachel Marques (PT) através da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da AL, a população LGBT vive com a violência como uma marca de seu cotidiano. "Precisamos ocupar os espaços públicos e ajudar a produção de uma mentalidade social que ofereça respeito e garantias para essa população", defendeu o parlamentar.
O objetivo da audiência era discutir os fatores que contribuem para a manutenção da violência contra a comunidade LGBT. Entre eles, o medo de denunciar as agressões, a impunidade de agressores e o sentimento de desvalorização e suposta inferioridade, que ajudam a criar um cenário onde segue crescendo o número de casos de discriminação e ataques contra essa população. "Essa pauta não é a pauta diversionista, do pânico moral, que a direita quer implantar. Essa pauta é a defesa pública da cidadania, é a solidariedade, são as garantias fundamentais para a população", reforçou Renato.
Para a defensora pública Nelie Marinho, do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas (Ndhac), a violência contra a população LGBT “afeta as políticas públicas”. "A falsa estatística zero de crimes motivados pelo ódio aos LGBTs causa um prejuízo para a criação de políticas públicas. Também há uma negação de direitos, como o caso da mudança de gênero e nome dos cartórios. Em muitos lugares, estão cobrando pela alteração assegurada por lei, quando deveria haver gratuidade. No Ndhac, nós intervimos nessa e outras questões", explicou.
Diversos coletivos de expressão nacional e estadual participaram da audiência. O presidente do Conselho Nacional LGBT, Washington Dias, citou números do Grupo Gay da Bahia (GGB), segundo os quais cerca de 445 pessoas LGBTs foram assassinadas no País em 2017. “Nós vivemos um processo de desmonte das políticas públicas para LGBTs em diversos estados e também do ponto de vista nacional. É urgente uma união para superar os efeitos da LGBTfobia e do racismo em todos os estados do País”, alertou Wellington.
Para Thatiane Araújo, do Conselho Nacional de Combate à Discriminação LGBT, a maior parte da população LGBT tem fechadas para si as portas da escola, família, estado, etc. "A invisibilidade da violência contra os LGBT aprofunda essa perversa exclusão", denunciou. Alice Oliveira, do Fórum Cearense LGBT, mostrou que, entre 1970 e 1979, houve 41 ocorrências de assassinatos por LGBTfobia no Brasil. Entre 2006 e 2017, esse número de ocorrências cresceu para 3.177.
"Eu faço um clamor de mãe! Parem de matar nossos filhos!". O apelo emocionado foi de Mara Beatriz Mendes, do coletivo Mães pela Diversidade e mãe de uma transgênero de 14 anos que passou por preconceitos e discriminação motivados por transfobia no colégio em que estuda. "Minha filha é trans e foi vítima porque as pessoas se negavam a dizer o nome com o qual ela se identificava. Lutamos e houve uma mudança. Nosso coletivo agrega 50 mães no Ceará. Nós entendemos que nossos filhos merecem todo apoio, carinho e amor. Sonhamos que o governo entenda a gravidade da situação para que nossos filhos não percam a vida por causa do ódio dos outros. É preciso respeito", afirmou Mara.