Numa época em que o Brasil fica perplexo com os ataques e ameaças às escolas, torna-se urgente e fundamental fortalecer as políticas públicas ligadas ao tema. Desde aquelas ligadas ao monitoramento da expansão do discurso de ódio nas redes sociais – fenômeno que se acentuou muito nos últimos anos no Brasil, a partir, inclusive, dos discursos armamentistas de Bolsonaro e seus apoiadores de extrema-direita -; até aquelas ligadas ao cotidiano das unidades escolares propriamente ditas.
Desde 2020, o Ceará conta com um importante instrumento legal de prevenção da violência nas escolas. Trata-se da lei 17.253/20, de autoria do deputado estadual Renato Roseno (PSOL) e das ex-deputadas Augusta Brito, Patrícia Aguiar e Érika Amorim, que redefine as atribuições das Comissões de Proteção e Prevenção à Violência contra crianças e adolescentes nas escolas públicas e privadas do Ceará. Por meio do projeto Previne, desenvolvido pelo Ministério Público, mais de 70 municípios já aderiam ao processo de implementação das comissões e 1300 profissionais das escolas da rede estadual foram capacitados.
A lei foi resultado de um amplo diálogo com representantes de diversos segmentos que participam do cotidiano escolar: professores, servidores da SEDUC, Ministério Público e outras entidades da sociedade civil como a ONG Visão Mundial. De acordo com a legislação, as comissões deverão desenvolver planos de prevenção às diversas expressões de violência no ambiente escolar; notificar e tomar as medidas cabíveis (tanto do ponto de vista educacional quanto legal); implantar protocolo único de registro; e notificar os casos de suspeita de violência ao Conselho Tutelar.
Na avaliação de Renato Roseno, a aprovação do projeto foi uma grande vitória para as políticas públicas de proteção de crianças e adolescentes. "A partir do Estatuto da Criança e do Adolescente, a atenção com atos de violência praticados nas redes pública e privada de ensino ampliou-se, do ponto de vista legal, mediante leis que buscaram coibir essa prática, especialmente dentro do ambiente escolar", explica o parlamentar. O texto da lei que foi aprovado em 2020 pela Assembleia foi subscrito e recebeu emenda da deputada Augusta Brito (PCdoB), que incluiu na redação as tipificações de violência contra a mulher previstas na lei Maria da Penha (lei federal no. 11.340/2006).
A lei aprimora e atualiza o texto de uma lei estadual anterior (nº 13.230/2002, de autoria do ex-deputado João Alfredo). De acordo com Roseno, essa legislação de 2002 foi fundamental para dar visibilidade à violência que chega até a escola. "Essa lei foi uma importante ferramenta de proteção e prevenção à violência praticada contra a criança e o adolescente no ambiente doméstico", afirma Renato. "Entretanto, a sociedade complexificou-se e faz-se necessário proceder a algumas atualizações para aproximar a legislação do dia a dia do ambiente escolar".
PROJETO PREVINE - As diretrizes para implantação das comissões foram definidas pela Secretaria de Educação do Estado, por meio da Portaria 0590 e publicada no Diário Oficial do Estado (DOE) no dia 21 de dezembro de 2020. Essa implantação vem sendo estimulada pelo projeto “Previne – Violência nas escolas, não!”, desenvolvido através de uma parceria entre a Seduc e o Centro de Apoio Operacional da Educação (Caoeduc) do Ministério Público do Estado. O objetivo do projeto é contribuir para a construção de um ambiente escolar seguro, de promoção da cultura de paz e de acolhimento para toda a comunidade escolar.
O projeto conta com três públicos-alvo: as escolas estaduais, que assinam um Termo de Cooperação Técnica com a SEDUC; as escolas públicas municipais, que fazem sua adesão por meio das Secretarias Municipais de Educação; além das escolas privadas, contemplando inicialmente as unidades de Fortaleza. Segundo dados do MPCE, mais de 70 municípios já aderiram ao projeto e seis concluíram todas as etapas formativas, incluindo a apresentação de um plano de ação a ser trabalhado na prevenção e na proteção da criança e do adolescente contra os diversos tipos de violências.
Ao todo, 117 secretarias municipais de educação manifestaram interesse em participar da iniciativa. Até o final de 2022, mais de 1.300 profissionais das escolas da rede estadual de ensino participaram do curso de formação para implementação das comissões. Segundo a procuradora Elizabeth Almeida, coordenadora do Caoeduc, serão realizadas reuniões bimestrais de acompanhamento do trabalho das comissões nas escolas de suporte ao desenvolvimento das ações locais.
A idéia é fortalecer o trabalho das comissões através da atuação dos Centros de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), Centros de Referência de Assistência Social (Cras) e Conselhos Tutelares. Tudo isso, segundo a procuradora, para uma atuação conjunta no combate e prevenção dessas violências. “Vamos trazer a saúde para mais perto, a assistência para mais perto e tentar tratar cada um, dentro do universo escolar, local onde essas crianças e adolescentes passam boa parte do tempo”, destaca Elizabeth (em entrevista ao jornal Opinião, edição de 5 de abril de 2023).
A formação das comissões acontece por meio de curso desenvolvido pelo Caoeduc, em formato EAD. Nesse curso, é disponibilizado material formativo elaborado para gestores escolares, diretores, coordenadores pedagógicos e professores, com carga horária de 48h/aula. Durante essa formação, os representantes escolares conhecem mecanismos de apoio no desenvolvimento das ações em sua comunidade escolar, além de participarem de oficinas sobre a elaboração dos Planos de Prevenção às diversas expressões de violência identificadas pela escola.
PROBLEMAS COMPLEXOS, SOLUÇÕES COMPLEXAS - O deputado Renato Roseno defende que a escola é o local privilegiado para o processo de educação necessário para a prevenção aos diversos tipos de violência, porque trabalha com o conhecimento, com valores, atitudes e a formação de hábitos. Mas, ao mesmo tempo, pode também ser local de violação de direitos ou de identificação de violações cometidas em outros espaços sociais.
"Um dos principais objetivos das comissões é fortalecer a prevenção, criando protocolos que unifiquem o atendimento e possibilitem a sistematização dos dados para posterior utilização na formulação de políticas públicas", explica. “A escola tem de ser protetora e protegida”.
Segundo o deputado, a questão dos ataques às escolas era uma realidade que o povo brasileiro só conhecia das imagens que chegavam dos Estados Unidos. “Um país que tem uma cultura armamentista muito longa e que facilitou por demais o acesso às armas. Aqueles ataques às escolas nos pareciam uma realidade distante”, afirma Renato. “Agora, nós somos atravessados por essa realidade, que é complexa e que, portanto, merece soluções complexas. A demagogia armamentista só piora o problema”.
Desde abril de 1999, quando houve o trágico atentando a tiros na Columbine High School (no estado do Colorado), foram ao menos 377 ataques do tipo nos EUA, segundo o jornal The Washington Post. A partir daí, o governo dos Estados Unidos passou a investir cifras bilionárias em sistemas e serviços de vigilância e proteção, incluindo agentes armados. Esse investimento, no entanto, se revelou um fracasso e os casos aumentaram exponencialmente. Em 2021, foram 42 ataques a escolas; e, em 2022, ano que registrou o recorde de casos, 47 ataques.
“Ano passado, os Estados Unidos registraram praticamente um caso por semana, apesar de todo o investimento baseado na lógica armamentista”, destaca Renato. “A sociedade mais armada do mundo é a que mais tem ataques”, reforça. (Texto: Felipe Araújo / Foto: )