Em 2015, 623 criança e adolescentes foram vítimas de violência sexual no Ceará, segundo dados da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Estado (SSPDS-CE). O alto número - que deve ser ainda maior, já que diversas vítimas não procuram atendimento - e a necessidade de difundir informações sobre a identificação e o combate à violência sexual contra crianças e adolescentes, motivou a realização da publicação “Violência sexual: monitoramento da política pública de atendimento à criança e ao adolescente na cidade de Fortaleza”, lançada na tarde da última quinta-feira, 18, durante audiência pública na Assembleia Legislativa em alusão ao Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. A data é uma homenagem à Araceli Crespo, que em 1973 foi raptada, estuprada e morta em Vitória (ES) - os autores do crime nunca foram responsabilizados.
A audiência foi requisitada pelo mandato É tempo de resistência, do deputado estadual Renato Roseno (PSOL), através da Comissão de Infância e Juventude da Assembleia Legislativa e contou com a participação de representantes de diversas entidades. Entre eles, Marcelo Torquato, do CONANDA; a vereadora Larissa Gaspar, presidente da comissão de direitos humanos da Câmara; Cristina Bezerra, da Fundação da Criança e da Família Cidadã (Funci); Brigitte Louchez, do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (CEDCA); Luciano Tonet, promotor da infância e da adolescência; Adriano Campos, do Núcleo da Defensoria Atendimento da Defensoria na Infância e Juventude (NADIJ); Eliane Lopes, representantes da RENAS; Geraldo Magela, conselheiro tutelar; e Márcia Monte, do Fórum DCA.
Produzido pelo Fórum de Organizações Não-Governamentais em Defesa dos Direitos das Crianças e Adolescentes (Fórum DCA) e pela Rede Evangélica Nacional de Ação Social (Renas), o monitoramento teve o objetivo de acompanhar o percurso realizado pelas vítimas de violência sexual desde a acolhida até a responsabilização do agressor, passando pelo orçamento público destinado às políticas públicas à infância e adolescência, cumprindo, assim, um fundamental papel como mecanismo de controle e participação social.
Um dos problemas apontados pelo monitoramento foi o não cumprimento do número mínimo de Conselhos Tutelares por habitante, em Fortaleza. Deveriam ser 25, segundo resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), mas na realidade contamos com apenas oito. Destes, constatou-se que nenhum utilizava o Sistema de Informação para a Infância e Adolescência (SIPIA), um sistema nacional de registro criado para subsidiar a adoção de decisões governamentais nas políticas públicas. O número de Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) também não é adequado – dos 13 previstos, temos apenas seis.
A falta de conexão entre o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e o Sistema Único de Saúde (SUS) também foi apontada como um ponto negativo pelo monitoramento. Isso porque impossibilita o oferecimento de atendimento em saúde para as vítimas de violência sexual, sobretudo psicológico. Críticas à formação dos profissionais que atendem vítimas de violência sexual também foram feitas, e apontou-se a urgência na criação de um Plano de Enfrentamento às Violências Sexuais contra Crianças e Adolescentes, tanto em nível municipal quanto estadual, bem como a morosidade no julgamento dos processos contra esse tipo de violência.
Além disso, colocou-se a falta de priorização da infância e adolescência em âmbito governamental – mesmo com a previsão de “prioridade absoluta” ao tema por parte da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Nos anos de 2014, 2015 e 2016, o monitoramento dá conta de que 0% do orçamento estadual destinado ao atendimento psicossocial a crianças e adolescentes vítimas de violência sexual foi executado. “Nós precisamos desenvolver acolhimento, empatia e prioridade. Isso tem que sair do papel e virar realidade”, afirmou Renato.
Como fruto das discussões, o Ministério Público Estadual (MPE) se comprometeu a chamar uma reunião de trabalho para discutir a da violência sexual de crianças e adolescentes no estado e uma agenda diretamente com o prefeito Roberto Cláudio, para debater os temas levantados pelo monitoramento.