Hoje faz dez anos da morte de Zé Maria do Tomé. Assassinado em 21 de abril de 2010, numa emboscada covarde nas proximidades de sua casa, o líder comunitário, mártir camponês da luta contra os agrotóxicos na Chapada do Apodi, segue presente e vivo na memória e na inspiração dos que continuam defendendo a agroecologia e a justiça social no campo.
À época de seu assassinato, Zé Maria denunciava a pulverização aérea de pesticidas na região de Limoeiro do Norte. A atividade, promovida por grandes empresas do agronegócio, causa a contaminação da água, das plantações e do solo, além de provocar diversas doenças nos trabalhadores das empresas e nos moradores da região.
Em suas denúncias, o ambientalista se embasava em inúmeras pesquisas acadêmicas sobre o tema, bem como em ações judiciais e procedimentos do Ministério Público (Estadual, Federal e Trabalhista). Entre eles, uma Ação Civil Pública que obrigou a prefeitura de Limoeiro do Norte a construir um sistema de abastecimento de água alternativo, pois a rede pública estava contaminada pelos agrotóxicos.
"No final da tarde daquele fatídico dia, veio o choque da notícia, seguido da dor da perda e da incerteza da continuidade de sua árdua luta. O agronegócio havia mandado um recado para as comunidades da chapada e para os que defendem suas vidas: 'não interfiram, não atrapalharem nossos lucros!', não importando se são obtidos às custas de vidas humanas", diz o movimento M21 em nota divulgada esta semana para a imprensa.
O M21 é uma articulação político-acadêmica criada em função da morte de Zé Maria e que faz o enfrentamento do modelo econômico do agronegócio e suas consequências: expulsão dos camponeses, degradação do meio ambiente, utilização massiva de agrotóxicos etc. Entre as entidades que compõem o movimento, estão a Cáritas Diocesana da igreja católica em Limoeiro do Norte; o MST; o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e o Grupo Trabalho Meio Ambiente e Saúde para a Sustentabilidade (TRAMAS), da Universidade Federal do Ceará.
"O capital no campo mostrava sua face monstruosa sem disfarce, que, naquele momento, materializava-se em um rosário de violências - violência do trabalho precarizado análogo ao da escravidão, da saúde das pessoas expostas aos venenos, e violência territorial e ambiental da expropriação da terra e contaminação do solo, da água e do ar. E como se tudo isso não bastasse, veio a eliminação física", diz a nota do M21.
Para as entidades, o “recado” do agronegócio foi entendido pelas comunidades camponesas, mas de outra forma. "A resistência e a luta se fortaleceram. Ficou entendido que esse território foi usurpado de seus legítimos donos e que é necessário reapropriá-lo e fazer dele o lugar da agricultura camponesa, familiar, agroecológica. Enfim, o lugar para produzir alimentos e vida", afirmam. Confira aqui a íntegra da nota do M21.
O movimento deu início a uma jornada de lutas em várias frentes, unindo campo e cidade, trabalhadores e pesquisadores, donas-de-casa e acadêmicas, agricultores e sindicalistas que, juntos, constroem todo ano, a Semana Zé Maria do Tomé. A programação incluía uma romaria, a apresentação de trabalhos científicos, rodas de conversas e mesas-redondas sobre terra, água, direitos sociais, saúde, trabalho ente outros temas.
LEI ESTADUAL - No fim do ano passado, a lei 17.122/19, de autoria do deputado estadual Renato Roseno (PSOL), incorporou a Semana Zé Maria do Tomé no calendário oficial de eventos do Estado. De acordo com a lei, o poder público deverá promover em espaços e instituições públicas estaduais - e também em parceria com municípios e entidades da sociedade civil - o debate de temáticas que envolvam o direito à justiça socioambiental.
"Essa é uma forma de manter viva a luta do Zé Maria. Ele foi grande lutador que pagou com sua vida por tentar proteger a sociedade em que vivia e o meio ambiente", defende o deputado, que também é autor da lei 16.820/19, que proíbe a pulverização aérea de agrotóxicos no Ceará e foi batizada com o nome do agricultor.
"Seu legado e sua memória permanecem através dos homens e mulheres que lutam pela terra e pela água; através do trabalho feito no acampamento que leva seu nome em Limoeiro do Norte; na esperança de todos e todas nós por um estado com menos veneno no campo e mais justiça social", reforça Roseno. (Texto: Felipe Araújo / Foto: Galba Nogueira)